quinta-feira, 1 de dezembro de 2022

Conflito

 "Frio é psicológico."

Ditado mais ou menos verdade e mais ou menos mentira.

Rio Angara – Irkutsk

A primeira cidade russa que conheci, Irkutsk, está a beira do Rio Angara, a 70km do Lago Baikal e a 447 km da fronteira com a Mongólia. Metade do ano a temperatura é negativa, mas, em maio de 2019, quando lá estive, o máximo que fiz foi colocar um agasalho à noite, e, às vezes, de dia. Era final da primavera, então, até mesmo pra brasileiros a sensação térmica estava agradável.

Cartaz avisando pra gente tomar 
cuidado com batedores de carteira.

Meu primeiro dia em solo russo já começou levando um golpe de taxista. Ele me abordou logo na saída da estação de trem e eu aceitei que ele me levasse pro hotel. Ao entrar no carro, perguntei sobre o taxímetro e ele disse que era um aplicativo de celular. Pensei “Ok. Na Rússia deve ser diferente”, mas, durante o trajeto, eu olhava pra tela do aparelho e não via o valor, apenas o mapa. Ao fim do percurso de 2km, o homem me mostra o telefone e diz “1.384RUB”. Eu pensei “R$86,00 por 2km?”. Percebendo a minha incredulidade, ele disse “Ok. Pague 1.000RUB”. Aproveitando que ele me deixou na porta do hotel, pedi a ele pra esperar, entrei no hotel e perguntei à recepcionista: “Você acha normal uma corrida da estação de trem até aqui custar 1.384RUB?”. Com os olhos arregalados ela me respondeu que não. Voltei, entreguei a ele uma nota de 500RUB dizendo que pagaria só aquilo e pronto. Tempos depois, lendo um folheto turístico da cidade, mais uma prova de que realmente ele tentou me enganar. Lá dizia pra se tomar muito cuidado com “private taxis” porque costumam dar golpes, e que nenhuma corrida dentro da cidade custa mais do que 500RUB. Ainda bem que pensei rápido e não levei um prejuízo maior. Mas me parece que esse não é o único golpe que costumam aplicar por lá. A gente, como turista, precisa achar o equilíbrio entre confiar nas pessoas, relaxar e aproveitar; e estar atento. Esse tipo de sentimento dúbio faz parte de quase toda viagem internacional.



  

 

Igreja de Nosso Salvador.

Essa decepção inicial foi compensada com a beleza de onde eu estava. O hotel onde fiquei era perto do monumento Eternal Fire (Fogo Eterno), que homenageia os soldados siberianos que lutaram contra os nazistas na Segunda Guerra Mundial. Ele está ao lado da Igreja de Nosso Salvador (Spasskaya Church), de estilo barroco siberiano, que, por sua vez, está ao lado da Igreja da Epifania (Epiphany Cathedral), perto do Salão do Órgão (que também é uma antiga igreja), ao lado da Praça Kirov e das margens do Rio Angara, lugar ótimo pra ver o pôr do sol. À sua borda, um longo calçadão, um grande portal e uma estátua em homenagem aos fundadores de Irkutsk. Com tantos pontos importantes juntos e tanta beleza, esse foi o cantinho da cidade onde eu mais gostei de ficar. Naquela tarde comprei uns pães e umas geleias e me sentei à beira do rio pra fazer um lanche. Voltei pro hotel só depois que anoiteceu, às 22h. Sim, no fim da primavera siberiana, o sol se põe por volta das 21h.

Monumento do Fogo Eterno e Igreja de Nosso Salvador

Monumento do Fogo Eterno.

Ainda nesse dia de caminhada pela região, eu vi que um palco estava sendo montado e me aproximei pra perguntar sobre que evento aconteceria. Falaram que era pra comemorar o aniversário da cidade e que a festa seria no dia 1/6 (embora o aniversário seja em 6/6). Pena que eu já tinha passagem de trem comprada pra Ecaterimburgo justamente pra esse dia e achei que seria muito trabalhoso ter de remarcar tudo. Foi uma pena que eu não tinha me informado dessa festa antes.

No segundo dia, foi a saga de trocar meus yuans (moeda da China) e mongóis (moeda da Mongólia) por rublos, porque eu tinha passado por outros países antes. Pena que nenhum banco quis trocar os mongóis. Pelo menos foi uma caminhada que serviu pra ir vendo melhor a cidade. Em Irkutsk as casas e vários prédios são de madeira com detalhes esculpidos nas fachadas e nos telhados. Os antigos carpinteiros realmente tinham as mãos muito habilidosas e, em cada construção, você vê artes e adornos diferentes, principalmente quando olhar pras janelas. Pra conhecer o interior de uma, vá ao Museu da Vida Cotidiana de Irkutsk (Museum of Irkutsk Everyday Life). Dentre vários outros museus, destaco o Museu do Chá (Tea Museum), pois a cidade já foi um polo importante na produção de chá. Os dois estão no mesmo complexo, onde está também o centro de informações turísticas. Depois de tirar da funcionária toda informação possível, finalmente fui conhecer o grande lago Baikal.

Chegando a Listvyanka, cidade vizinha a Irkutsk.


A 70km de Irkust está Listvyanka, cidade que margeia o Lago Baikal por 5km. A margem toda do Baikal é de 2.100km, e 20% da água doce do mundo inteiro está lá, fazendo dele o maior do mundo em profundidade. Se você estiver de trem, vindo da Mongólia, como foi o meu caso, grande parte do trajeto final será feito margeando o Baikal, então você já o conhecerá um pouco e verá o quão espetacular ele é. É no mercado de Irkutsk que estão vários motoristas de van que te levam até o lago. Aproveitei pra comprar umas cerejas e ir comendo no caminho. Foi só eu chegar que a van já encheu e partimos, não só cheia de turistas, mas de gente local também. Engraçado que os veículos de lá podem ter o volante tanto do lado esquerdo quanto do direito, mas todo mundo dirige do lado direito da estrada, como nós. O trajeto leva uma hora e muita gente desce ou sobe nesse meio tempo. Eu desci na entrada de Listvyanka, porque assim eu pude conhecer melhor a cidade e o lago. É evidente como a sensação térmica é menor quando se chega lá. Eu pensei que eu nadaria no lago quando o visse, mas, ao colocar a mão na água e lavar o rosto, perdi a coragem.

 

Nessa caminhada, vi museus, adolescentes corajosos nadando no lago, pessoas se bronzeando, fazendo passeio de barco e uma casa onde se podia pagar 20RUB pra ver um urso caramelo. Paguei, afinal esse é um dos símbolos da Rússia, mas depois me arrependi, porque acabei ficando com dó de o urso estar enjaulado. Não tenho foto porque, pra isso, precisava pagar um pouco a mais. Excursões pelo lago também não paguei porque achei caro 1.000RUB (R$60,00) por meia hora apenas. Depois de uma hora de caminhada bem tranquila, cheguei ao Mercado de Listvyanka, onde vendem o peixe mais gostoso que você comerá na vida, mais gostoso até que salmão, eu garanto. Omul é um peixe típico do Baikal servido frio ou quente. Claro que aproveitam também para vender lembrancinhas russas, como matriôscas (tanto de vovozinhas quanto dos ex-presidentes russos), chaveiros, camisetas e tudo mais.



     

Interior da sinagoga onde me deram
comida de graça.

No terceiro e último dia, peguei um ônibus até o 130th Quarter (130 kvartal), onde tem alguns bons restaurantes. Fui até o Parque Jerusalém (Jerusalem Park), mas não achei bem cuidado. De lá fui até a Sinagoga, uma grande casa de dois andares de madeira, linda como todas as outras. Assisti à reunião e, ao final, uma grande surpresa: me chamaram pro jantar vegetariano deles. Não esperava ser tão bem recebido e ter a chance de experimentar boa comida russa e vodka grátis tão rápido. Que bom que o jeito amável desse grupo de russos compensou aquele outro russo que tentou me dar um golpe. No fim do dia, me abasteci num supermercado, porque eu sairia de trem às 3h37 daquela madrugada, numa jornada de 52 horas até Ecaterimburgo.



 

Os carros podiam ter volante tanto do lado
esquerdo quanto do lado direito.

Alguns preços de maio de 2019

Concerto no Organ Hall – 550RUB – R$35,00

Banheiro público - 20RUB / R$1,25

Ônibus circular – 20RUB

Bonde circular – 15RUB

Museu do Chá e da Vida de Irkustk  - 120RUB / R$8,00

Passagem de trem de Irkutsk a Ecaterimburgo – 10.296RUB / R$644,00 (cabine de 4 pessoas)



Feira de Listvyanka:

Peixe – a partir de 150 RUB / R$10,00

Arroz com cenoura e carne – 80RUB / R$5,00

Coca Cola – 80RUB / R$5,00

Pão – 80RUB

Dica final:

Existe um aplicativo chamado Russian Railways que te mostra os horários de trem e preços e tudo mais sobre os trens da Ferrovia Transiberiana. Eu senti muito medo de fazer a compra pelo aplicativo e acabar me confundindo com fuso horário ou falta de lugar pra imprimir bilhete. Então usava-o só pra ter uma ideia do preço e comprar pessoalmente nas bilheterias das estações, já informando o dia e horário que eu queria. O preço informado pela vendedora era sempre igual ao do aplicativo, então eu me sentia muito mais seguro fazendo essa compra pessoalmente. Mas nem todos os russos falam inglês, e eu ainda não falo russo, então o tradutor do celular estava sempre presente nessas conversas. Como eu já tinha parado em Pequim (China) e Ulan Baator (Mongólia) também viajando de trem, em Irkutski já resolvi fechar as passagens até o fim da Transiberiana (Moscou), aproveitando que a vendedora falava um pouquinho de inglês e era muito paciente e simpática, ao contrário de outras que acabei encontrando depois. Explico também aqui neste vídeo:



terça-feira, 1 de novembro de 2022

Locomotivas

"Conquistar o mundo a cavalo é fácil. Desmontar e governar é que é difícil".
Genghis Khan, fundador do império mongol.
Primeira tarde na capital mongol.

 Viajar 5.800 km de trem. Me sinto muito honrado de ter feito isso e, como foi a passeio, não achei cansativo. Eu gostava de tudo, até das noites que tive de dormir sem banho e da vez que fiquei dois dias inteiros sacolejando pra ir de uma cidade russa a outra (57 horas de viagem!). Lógico que nem mesmo os trechos longos assim nós, passageiros, éramos impedidos de sair do trem. Ele para muito e o tempo das paradas também varia. Umas vezes eram só embarque e desembarque, mas, vez ou outra, dá pra ir a lanchonete da estação e comprar algo, ou usar o banheiro. Sim, no trem tem banheiro e não vi nenhum problema nele. Mas tem gente que não gosta. Aqui, conto um pouco sobre como é viajar na ferrovia Transiberiana.

Não me lembro do nome da praça, nem do monumento.

Saí de Pequim com destino a Moscou, mas fazendo muitas paradas, claro. A primeira foi uma parada técnica em Erlian, fronteira China/Mongólia. Em cada país o sistema de trilhos é de um jeito, então, quando o trem chega à fronteira, todos os passageiros descem e a locomotiva é erguida a fim de se trocar TODOS os... pneus? Rodas? Eu não sei como fala... É a parte debaixo do trem. O processo todo dura em cerca de duas horas. A viagem continua e é lindo de se ver como a paisagem da natureza e das casas ao redor da Transiberiana vai mudando.

Praça Sukhbaatar, sobrenome de um heroi revolucionário.

Em Erlian o trem ficou parado por quatro horas. Como chegou lá já à noite, não deu pra conhecer nada dessa cidade, O trem sairia às 1h e eu pensava em voltar à meia noite.porque o funcionário pediu pra chegar à estação às 23h.  Voltei antes porque ele pediu e também não tinha nada a se ver em Erlian. Só parei num restaurante porque, viajando muito de trem, minha alimentação era o que dava pra comer no trem: miojo, chá, biscoitos, sanduíches. Achei as cidades mongóis parecidas com cidades muito pequenas de interior. Nem a capital Ulan Bator tem aquela leve loucura de metrópole. Até rua sem calçamento em região turística tinha e achei muito calma.

Praça Sukhbaatar.

Tem horas que a gente precisa tentar não 
pensar em português, mas não consegue.

Ao chegar a Ulan Bator, a tarefa a cumprir era comprar o próximo trecho de passagem, até Irkutski, Rússia. Havia algumas pessoas de agências turísticas ali, disponíveis a “fisgar um cliente”, eu pensei. Aceitei a ajuda de uma jovem porque, sem dominar a língua mongol e sem achar uma funcionária do caixa que falasse inglês, eu não podia recusar. Depois fui percebendo que a ajuda era realmente desinteressada. Minha amiga até ofereceu 2USD pra um jovem que também nos acompanhava e ele recusou várias vezes, dizendo que o fazia não pelo dinheiro, mas pelo prazer de ajudar. Saí da rodoviária sem passagens porque a menina que me ajudava tinha o contato de um vendedor de passagens que conseguia um preço melhor. Fui pro hotel e marquei um encontro com ele, morrendo de medo de golpe. Na Mongólia não tem táxi. O costume é as pessoas pararem qualquer carro na rua, dizerem pra onde vão e negociar o valor com o motorista. Ou seja, qualquer um que quiser vira taxista ou Uber. O nosso custou 2USD. Esse é um costume russo também.



Senso de humor mongol.

Vegetariano sofre um pouco pra comer na Mongólia porque a culinária deles envolve muita carne e ela até acaba sendo mais barata do que pratos com vegetais e frutas, que vêm praticamente todos de fora. As refeições que fiz lá eram sempre com carne, mas de boi ou carneiro. A famosa carne de cavalo eu não comi. Tinha vontade, mas não procurei. A coisa mais “exótica” que comi foram cogumelos pretos.

A maioria das pessoas que viaja pela Mongólia o faz no interior e me parece que é lá que se tem as experiências mais interessantes, onde se conhecem os costumes da gente e as mais bonitas paisagens, principalmente no deserto de Gobi. Eu só fiquei na capital, então vi um show pra turista (ótimo por sinal), uma praça, museu, templos, estátuas de Genghis Khan, coisa que a gente sempre faz em qualquer lugar. Lá eles têm um jeito engraçado de se cobrar entrada. Tanto no show quanto no Museu da Mongólia (National Museum) há duas opções de ingresso: um com direito a fotografar e outro sem. Embora eu tivesse sentido vontade de registrar algumas coisas que vi, não me conformava em ter de pagar a mais por isso. O preço praticamente dobrava, então não tenho imagens desses locais. Ninguém confiscou meu celular, mas vi que ficavam de olho pra ver se eu realmente não estava batendo fotos.

O show Tumen Ekh eu recomendo muito. São várias apresentações de danças e músicas mongóis, sem microfone, tudo com som natural, bem perto de você. Por conta disso o espaço da plateia é sempre pequeno e costuma encher. Tinha um cara que fazia coisas tão incríveis com a voz, coisas que não vi em nenhuma edição do “The Voice”. Mas não é um show apoteótico, eu ressalto, é mais intimista. Acontece no The National Culture and Recreation Park, que parece meio abandonado. Falta um certo cuidado de zeladoria urbana na cidade, eu senti. Mas também entendo que é difícil de se manter jardins bem cuidados num país onde o clima é desértico e frio.

Tumen Ekh.

Me senti seguro ao andar por Ulan Bator, mas vez ou outra você verá algum cartaz te pedindo pra tomar cuidado com os batedores de carteira. Estranho que até nos templos religiosos tinha esse aviso. Perto do hotel onde fiquei, tirei uma manhã pra ver o templo tibetano Meqjid Janraysiq Temple e o monastério Gandanteqchilen. A estátua que está dentro de um dos templos é uma das maiores do mundo em um lugar fechado. Muitos acham que é Buda, mas é um antigo rei mongol. Olhando o prédio por fora, estimo que ele fosse da altura de um prédio de oito andares.

Teatro do The National Culture and Recreation Park.

Conheci ainda a State Department Store, que é um shopping, mas também foi legal de ver, pra tirar um pouco o pré-conceito que eu tinha de que havia pouca tecnologia no país. Parecia um shopping de qualquer lugar do mundo. Durante essa caminhada pelo centro, entrei no National Concert Hall e o porteiro me deixou entrar no teatro. Acontecia um show de marionetes para crianças e eu fiquei assistindo um pouquinho, de graça. Saí e fui pra Praça Suhbratar, onde tem a Casa do Governo. Eu estava bem na hora em que um grupo de soldados passou marchando em sincronia pela praça. Eu já tinha visto algo parecido em Buenos Aires e Budapeste, mas é algo sempre muito legal de se ver.

Do hotel até a estação do trem tentei ir de “táxi” de novo. O novo amigo Gamba tentou negociar com os carros que passavam por nós, mas resolvemos ir de ônibus circular mesmo. Custou centavos. Pra saber como foi essa viagem sobre trilhos, fiz um vídeo mostrando o trem por dentro e narrando algumas experiências. Só clicar nele abaixo:

 


Claro que nada é perfeito.

Preços de maio de 2019, em Tugrik Mongol (MNT) e Real:

Show folclórico “Tumen Ekh Ensemble of Traditional Cultural Heritage” – 30.000MNT / R$60,00 (sem a taxa de fotografia).

National Museum of Mongolia – 10.000MNT / R$20,00. Pra tirar foto, é só pagar mais 10.000MNT, mesmo assim tem áreas que não se pode fotografar. O conteúdo é interessante, e cobre desde a pré história até a Mongólia tornar-se um país democrático.

Ônibus circular – 500MNT / menos de R$1,00.

Entrada do setor do monastério onde está a estátua do rei – 4.000MNT / R$8,00.



Marca de café mongol.

domingo, 2 de outubro de 2022

A Muralha

"Se o vento soprar de uma única direção, a árvore crescerá inclinada."

Provérbio chinês.

Beihai Park.

Pequim foi a quarta e última cidade chinesa que conheci. Fiquei hospedado num hotel nos hutongs. Hutongs são bairros tradicionais da cidade antiga, históricos, eu diria. São comunidades com casas pequenas e banheiros compartilhados. Do pouco que conheci, acho que a palavra “cortiço” possa ser uma tradução aproximada. Pras olimpíadas de 2008 o governo derrubou vários, mas ainda existem muitos, por onde você ainda pode caminhar bastante. Eu fiquei hospedado num bem conhecido, chamado Nanluoguxiang.... Adorei caminhar por ele, principalmente à noite. O comércio deixava tudo bem animado. No primeiro dia, comecei contornando o que eu achei que fosse um laguinho, mas que foi se revelando um lago enorme, era o Hohai Lake. O cenário estava tão bonito, que andei tanto até sair no Beihai park, pagando a opção de ingresso mais barato, que não dá direito a entrar em templos, como o pagode (tipo de construção chinesa) branco que está na ilha no meio do lago do parque. Caminhei até achar a saída deste parque e a entrada de outro.

Cidade Proibida vista do Jingshan Park.

Chegamos ao Jingshan Park, que tem gente que traduz como “colina da paisagem” ou “montanha próspera” em português, quase na hora de fechar e andamos por ele, vimos gente cantando, dançando, se exercitando. No início até achei que fossem talvez grupos ensaiando, mas depois comecei a desconfiar que era apenas um hábito cotidiano mesmo. Os chineses têm uma visão sobre o movimento bem diferente de nós. Movimento (dança ou esporte ou outra coisa) é uma energia que precisa fluir. Por isso que eu via pessoas idosas fazendo coisas que muito novinho ocidental não consegue. Subi ao ponto mais alto do parque pra ver a Cidade Proibida (centro político que servia de residência para o imperador) durante o por do sol.

Por do sol no Jingshan Park.

No dia seguinte, acordei querendo ir à Cidade Proibida, mas me enrolei todo e resolvi ir ao Temple of Heaven, um lugar onde os imperadores faziam suas orações e se inspiravam para explorar governar o povo melhor. Cheguei já ao fim da tarde e algumas coisas já estavam fechando. Gastei R$20,00 numa caixa com dois baralhos. A parte das rosas e os jardins foi o que achei mais bonito, mas o que mais gostei foi de ver os chineses se exercitando pelo parque das mais diversas formas – desde usando os aparelhos da academia comunitária (bem melhor que as que temos por aqui) até praticando dança esportiva ou dança tradicional. Abaixo, Temple of Heaven e seu jardim:

 

À noite fui assistir ao show Acrobatics, algo bem turístico de se fazer em Pequim. Vários truques foram novidade pra mim. Terminou cedo e resolvi explorar a área do hotel à noite e vi que os hutongs eram interessantes em qualquer hora. Eu não conheci nenhuma residência por dentro, mas, como alguns poucos tinham virado loja ou casa de massagens, deu pra ver como são construções bem pequenas.

 

O mausoléu de Mao Tsé Tung era outro local que eu queria muito conhecer, mas fechava ao meio dia e eu cheguei lá depois disso, mas ver a Praça Tiananmen ("praça da paz celestial", fotos acima), a maior do mundo e com jardins bonitos. E fica em frente à Cidade Proibida, então não perdi a viagem. Pra visita-la, é melhor agendar pela internet, de preferência com ajuda de algum chinês, porque há certas coisas de se resolver na China que achei meio complicadinhas. No caso da entrada, o hotel já tinha reservado pra mim, sem cobrar nada por isso. Peça ao seu anfitrião que também te ajude porque existe um limite de 80 mil pessoas por dia pra entrar. Acredite, tem dia que lota e fica gente de fora. Lembre-se de que é China, país mais populoso do mundo! Eu sempre tentava usar a minha carteirinha de estudante pra conseguir descontos, mas era difícil aceitarem. Só foi aceito em um parque de Pequim, mas não lembro qual.

Telhados da Cidade Proibida. A arte chinesa é cheia de detalhes.

 

Não achei a Cidade Proibida (Palácio Imperial) algo muito impressionante. É, sim, bonita, os jardins são muito belos, as galerias de arte têm coisas curiosas, como em uma que tinha alguns guerreiros de terracota. Tem esse nome porque era a residência do imperador e qualquer pessoa que ali entrasse sem autorização era morto. Mas é interessante saber que todo aquele espaço era o Palácio Imperial, que era realmente uma cidade. São muitas construções e pátios enormes, quase mil edifícios (980 pra ser mais exato) tudo por causa de uma família. Acho interessante, ao mesmo tempo que acho um abuso. Mas em qualquer lugar até hoje temos governantes também que se aproveitam da sua posição pra viver no luxo, então, eu devia me revoltar era com a dominação atual (Vamu pra rua, galera!). Andei o dia todo sob o sol já que a Cidade Proibida é bem descampada justamente pra que os inimigos do imperador não conseguissem se esconder atrás de nenhuma árvore. Queria voltar de táxi pro hotel, mas nenhum taxista queria usar o taxímetro, pedindo que eu pagasse 50CNY pela corrida. Por um lado foi bom, porque isso me obrigou a voltar de ônibus e aí acabei economizando.

Muita gente faz book fotográfico
na Cidade Proibida.

O que eu mais esperava conhecer em Pequim ficou para o dia seguinte, a Grande Muralha, que não fica em Pequim, mas perto, pouco mais de uma hora de van. Quando estava lá, me explicaram que existem três lugares onde a Grande Muralha é mais acessível. Existe um que é mais turístico, de mais fácil acesso e onde suas fotos estarão sempre muito cheias de gente – a Muralha Nutella, eu diria. Existe um outro que é mais difícil de se chegar, quase não tem restauração e nem turistas, porque é mais difícil de se caminhar seja devido a pedras soltas ou por vegetação que a cobre – a Muralha raíz, eu diria. E tem o lugar que eu visitei, que seria um equilíbrio entre as duas. Diz-se que só 30% de toda a extensão da Muralha é original, afinal, nada resiste ao tempo. E qual é o ponto turístico mais visitado da China? Errou! Não é a Muralha. É a Cidade Proibida, da qual falei no parágrafo anterior.

Teleférico para se chegar até a Muralha.

A excursão até a Muralha o próprio hotel nos vendia. O carro nos deixa na recepção e a maioria das pessoas prefere subir de teleférico. Ao longo da Muralha, existem várias casas de pedra, que são numeradas. O teleférico nos deixou na casa número 14. Pelo tempo que tínhamos, muitos do meu grupo decidiram por caminhar até a casa 20 (o que já é uma caminhada bem considerável). Sentei-me na escadaria da casa 15 e fiquei contemplando a paisagem e o pedaço da muralha que sumia no horizonte. De dentro dessas casas (ou torres, como também as chamam) tem-se uma ótima vista quando se olha através de alguma janela. Algumas vezes eu era distraído por uma pessoa ou outra que tropeçava ou escorregava enquanto subia ou descia as escadas. Os degraus são íngremes, curtos e irregulares, então é quase que normal alguém quase cair.

 

Meio dia e meia era o horário combinado de já estarmos de volta embaixo para almoçamos juntos: arroz, dois tipos de carne picantes, cogumelo chinês, repolho, frango. A bebida era à parte. Ainda bem que eu tinha levado a minha porque as bebidas lá eram três vezes o valor que custava na cidade.

 

O Summer Palace, palácio de veraneio de antigos imperadores e jardim imperial, conheci no último dia e é um passeio que precisa estar disposto pra caminhar – na verdade, todos esses de Pequim precisa. Existe uma estação do metrô que te deixa perto, mas, ao entrar, precisa subir um pequeno monte e descê-lo do outro lado. No entanto, tem tanta coisa pra se ver nesse trajeto, tanto dos detalhes do palácio quanto da vista da cidade, que não é um passeio cansativo. De um lado da montanha, estão várias construções morro acima. Do outro, um grande lago, com passeios de barco e uma ilha, ligada por uma ponte repleta de estátuas de leão, animal que simboliza prosperidade financeira. Dá pra passar um dia todo nesse parque ou em qualquer outro de Pequim. Quase todos os programas que fiz me ocupavam um dia inteiro, porque prefiro fazer num ritmo mais lento, aproveitando mesmo cada local. Já era metade da tarde quando decidi sair do jardim, mas a única saída perto do metrô era aquela por onde eu tinha entrado e que, agora, estava longe demais pra voltar. Saí por outra, repleta de taxistas que abordam as pessoas oferecendo pra deixa-las no metrô por 25CNY. Aproveitei um que tinha oferecido 20CNY e pedi pra fazer por 15CNY.

Summer Palace.

À noite, conheci o famoso Silk Market, mercado onde os vendedores não se comportam da maneira chinesa com que eu já estava acostumado. Com aqueles aí não existia barganha. Algumas placas até diziam “No bargain, please”. O preço era realmente aquele que diziam. Se, por acaso, algum aceitasse negociação, abaixava muito pouco o preço, só aqueles 10% de praxe. Mas existe um outro mercado onde você DEVE pechinchar e pode fazê-lo de maneira descarada, pois dá pra levar a mercadoria até por quase dez por cento do valor inicial pedido, ou seja, 90% de desconto, sem exageros. Procure por Yashow Clothing Market.

Parede de um bar da rua do meu hotel.

Quando eu caminhava nas ruas de Pequim, fiquei muito impressionado com a quantidade de grades que há entre a rua e a calçada, com passagem liberada apenas onde há faixas de pedestres. Até entendo a preocupação com segurança, mas me parece uma medida muito extrema e controladora. Eu me senti realmente incomodado com aquilo, quase que oprimido.

No banheiro da estação, até pra pegar papel higiênico
precisa escanear o QR code com o celular.


Preços de maio de 2019:

Na cultura chinesa, veado indica boa sorte.
Que sorte é essa que custa R$1.800,00? 

O preço em real é 60% do valor em yuan.

Beihai Park – 10CNY sem templo e 20CNY com templo.

Parque Jingshan – R$10,00.

Milonga (baile de tango) no Alla House – 60CNY, com água à vontade e uma bebida inclusa.

Temple of Heaven – 34CNY.

Jogo de dois baralhos no Temple of Heaven – R$20,00.

Cidade Proibida – 60CNY.

Audioguia na Cidade Proibida – 40CNY. Tem em português! Eu não usei.

Excursão para a Grande Muralha, agendada com o hotel – 300CNY, almoço incluso.

Teleférico na Muralha – 120CNY (subir e descer) ou 100CNY (somente subida). Algumas pessoas compram só um trecho porque dá pra descer numa coisa que parece uma mistura de carrinho de rolimã com tobogã, mas precisa pagar também.

Água no topo da Muralha – 20CNY. Então, leve a sua.

Massagem de duas horas (pés e ombros) – 88CNY.

Pacote de nove quilos despachados para o Brasil pelos correios- 335CNY.

Passagem do trem transiberiano até Ulan Bator, capital da Mongólia – não me lembro, mas é bem caro.


No alto do Jingshan Park.



sábado, 3 de setembro de 2022

E Nós, Aonde Vamos?

"O segredo para se andar sobre as águas é saber onde estão as pedras."

Provérbio Chinês

 

Se você gosta de jardins e canais de água, Suzhou é uma cidade que você adorará conhecer. Quanto aos jardins, os de Pequim são mais grandiosos e imponentes, porque há vários jardins imperiais. Em Suzhou eles são particulares, bonitos também, mas é nos canais que estão a parte especial da cidade.

Lion Forest Garden.

O Lion Forest Garden é um jardim que tem mais pedras do que flores. Eu tive a impressão de que algumas pessoas o achavam feio, mas eu gostei muito, porque as pedras foram colocadas de um jeito que se formam várias trilhas e túneis, um lugar que eu achei bem divertido de se caminhar, mesmo que eu tropeçasse em milhares de chineses a cada cinco passos. Claro, porque os pontos turísticos no país mais populoso do mundo estão sempre cheios. Bem ao lado do Lion Forest está o Museu dos Costumes, grátis, mas com pouca informação em inglês.

 

O melhor museu é o Museu de Suzhou (fotos acima), mas precisa agendar visita pelo site, informando o horário aproximado que você estará lá. É de graça. Foi projetado pelo mesmo arquiteto que projetou o Louvre, em Paris, e realmente é nítido como o seu estilo se diferencia dos outros pontos turísticos que, possivelmente, você visitará se for a Suzhou. Um andar se dedica a imagens de Budas; outro ao artesanato chinês...

Porcelana da dinastia Qing, do século XVII.

No Guanqian business district há um calçadão que é interessante de se caminhar, mas ainda não o local mais bonito da cidade. Mas gostei porque nele tive uma daquelas experiências simples, mas marcantes. Eu vi que estavam vendendo um bolo de durian, uma fruta gostosa e fedorenta típica da Ásia. Pelo cartaz, não entendi se eram 35CNY a fatia ou o bolo, mesmo assim achei que o pedaço seria grande demais pra mim. Acho que uma indiana percebeu e me perguntou se eu queria dividir o bolo com ela. Aceitei e, além de compartilharmos o bolo, compartilhamos também informações sobre a cidade. Na verdade, eu tinha acabado de chegar, então só ela falou e me deu dicas que eu segui e te conto agora.


O canal é constatemente limpo.

O jardim Master of Nets Garden eu conheci à noite, porque é quando acontecem as visitas guiadas com performances de teatro, música e dança, o que justifica ser o mais caro, 90CNY. Tudo em chinês, mas a guia te situa antes de cada apresentação.

Humble Administrator Garden.

Pingjian Road é a rua que achei mais bonita e onde se entende o porquê de chamarem Suzhou de Veneza da China, tipo de comparação que não gosto muito de fazer. Cheguei até lá de riquixá, um daqueles carrinhos de duas rodas puxados por uma pessoa. O homem me cobrou 15CNY e fiz mais pela experiência, porque os ônibus eram mais baratos e eu me sentia meio senhor feudal, ao ver um ser humano me puxando em cima daquela "carroça". Carros não passam pela Pingjian, permitindo que a gente caminhe com mais tranquilidade, mesmo que as motos e bicicletas também dividam o espaço com a gente. Adorei esse cantinho, que na verdade se desdobra em outros quarteirões delimitados por canais onde as pessoas costumam fazer passeios de barco. Eu preferi explorar a área a pé mesmo, tanto de dia quanto à noite. Teve uma tarde que eu simplesmente passei quatro horas sentado em um café finlandês vendo os barquinhos e os pedestres passando pra lá e pra cá.

Lojinha de doces em Pingjian Road.

 

Gastos em maio de 2019:

Para saber quanto em real eu paguei, considere 60% do valor aqui escrito.

The Lion Forest Garden – 40CNY

The Humble Administrator’s Garden – 45CNY

Café finlandês: croissant de canela 12CNY; pizza de margherita 58CNY

North Pagoda e Bao’em Temple – 15CNY – não conheci porque, quando cheguei, já tinha fechado.

Tartarugas vivas e decoradas a venda.

Passagem de trem bala de Hangzhoudong a Suzhou – 111,5CNY

Passagem de trem bala de Suzhou a Pequim – 523,5CNY.  É sempre bom reservar a passagem, ou comprar antes. Quando cheguei à estação, querendo pegar o trem das 11h (também lembrou da música do Adoniran Barbosa?), ele estava lotado; e o próximo, com um bom preço de passagem foi 16h43. Até tinha mais opções antes, mas eram de 1ª classe, ou seja, o dobro do preço. Não tinha wifi no trem, a comida e bebida era cara, e na televisão só passavam anúncios em chinês com legendas também em chinês. E quase não deu pra olhar a paisagem porque a janela é compartilhada entre você e mais um assento (o de trás ou da frente), então as duas pessoas precisam entrar num acordo sobre a persiana. Eu abri a minha algumas vezes, mas, quando eu o fazia, a criança da frente fazia um escândalo. Então fiz a viagem olhando pro nada.

Cuidado pra não fazer como eu e confiar demais no próprio ouvido. Eu juro que escutei que a próxima estação era “Beijing” (Pequim), então eu desci. Depois de um tempo conversando com os funcionários é que percebi que tinha descido uma estação antes. Mas sempre existe uma boa alma que aparece do nada pra ajudar. Um jovem que percebeu a situação enquanto passava por ali explicou meu caso para uma outra funcionária, que disse que eu poderia embarcar num trem que viria depois. Preocupado em avisar o hotel, me deixaram usar o telefone. Foram super eficientes porque, quando o trem chegou, parecia que a funcionária do embarque já sabia da minha história e nem me pediu a passagem pra embarcar. Lição que deixo pra você: na dúvida, pergunte, de preferência mostrando sua passagem.

Achei difícil achar casas de câmbio na China. Troquei dólares por yuan no Bank of China e fiz alguns saques do mesmo banco e num outro. Mas em muitos outros bancos meu cartão era recusado no caixa eletrônico.

Velocidade máxima que vi o trem atingir.