terça-feira, 5 de julho de 2022

Negócio da China

"Uma longa viagem começa por um passo."

Provérbio chinês.

Carro pra uma pessoa. Só uma entre as várias surpresas que
se pode encontrar na China.

Sabe aqueles dias em que a gente acorda meio sem saber o que fazer? Pois quando a gente está viajando há muito tempo, esses dias também existem. Sabe aqueles em que você não está a fim de fazer nada? Quando a gente viaja esses dias também existem. E já teve dia de eu não fazer nada mesmo, só ficar em casa ou no hotel, praticamente à toa. Neste relato de como foi minha viagem na primeira cidade chinesa que conheci, falarei sobre esses aspectos não excitantes de quando se faz uma viagem, mostrando de nem tudo ocorre exatamente como a gente planeja e que pequenas frustrações fazem parte de qualquer viagem, afinal, isso tudo é coisa inerente à vida. Nem tudo ocorre do jeito que a gente planeja. Mas é claro que nada disso me impediu de gostar de Shanghai.

Jeito chinês de por a roupa pra secar.

O primeiro dia em Shanghai não foi exatamente um dia preguiçoso. Na verdade, foi de uma sensação de não saber onde ir primeiro, ainda mais num lugar onde eu não falo a língua e a população local também não fala muito inglês. Andei um pouco sem rumo por uma pracinha, meio que acompanhando pelo mapa, até sair numa estação de ônibus, onde tentei me informar sobre os cartões de metrô. O passe de 24 horas custava 18 yuan chineses (R$11,00), e o de três dias, 45CNY (R$27,00), preços de maio de 2019. Comprei este, mas ainda não comecei a rodar porque queria entender melhor o que fazer na cidade, antes de sair andando sem rumo gastando meu passe. Então fui andar sem rumo gastando só a sola do sapato e parei pra um almoço. Já fui logo pedindo uma sopa de rã de 22CNY (R$14,00). Muitos pratos lá vêm como se fosse sopa com um macarrão que acredito ser lámen. Na primeira colherada na boca, eu gemi meio alto sem querer, porque eu não esperava que o prato fosse tão apimentado. Na hora, a atendente percebeu e, gentilmente, me perguntou se ela podia trocar. Ela levou e trouxe o mesmo conteúdo num caldo menos apimentado, o que o tornou mais comestível pra um brasileiro com o paladar fresco ainda não treinado praquilo. Fiquei imaginando se o costume asiático de usar tanta pimenta seja algo relacionado à digestão... Talvez acreditem ser mais saudável? Não sei... Outro costume que notei é que os garçons nos servem um copo de água morna antes das refeições, mesmo nos dias quentes.

Refeição típica - sopa de rã.

Era maio de 2019 e fazia frio. Fiz muita hora no restaurante e, olhando o mapa, vi que eu estava meio que perto de um Buda. Fui até lá andando, mas dei de cara na porta, pois já eram 17h10 e ele tinha fechado às 16h30. Voltei pro hotel andando pela beira de um rio, que tinha uma orla arrumadinha. À noite, descobri um lugar pra se dançar tango e fui até lá, mas ele tinha virado loja. Perguntei às pessoas lá de perto, conferi o endereço, mas não teve jeito, foi mais uma pequena frustração. Na volta, passei na frente de um tal Beer Lady Bar. Entrei e era tão legal. Eram duas paredes só de refrigeradores com porta de vidro e a maior diversidade de cerveja que eu já tinha visto. Você mesmo se servia, igual no supermercado. Peguei uma cerveja de gengibre e outra de framboesa, e, na hora de pagar, foi tão complicado. Queriam que eu pagasse por aplicativo, com um QR code, mas nem no wifi de lá eu consegui conectar. Ofereci o cartão de crédito então, mas também não deu – o caixa não aceitou e aí teve de ser com dinheiro mesmo. Ainda bem que eu já tinha dinheiro chinês. Paguei e fui pra cama logo.

Opções de cerveja do Bar Lady Beer.

Ao longo dos dias é que fui percebendo que os chineses conseguem fazer muita coisa pelo celular. Na hora de pagar conta, por exemplo, eles exibem um QR code na tela do aparelho pro atendente, este escaneia o código e pronto – a conta está paga. Até na hora de passar na catraca do ônibus ou metrô dá pra usar o celular. Em compensação, nós, estrangeiros, sofremos com nosso aparelho. Pra que meu Whatsapp, Instagram e tudo mais, tudo mesmo, funcionasse lá, tive de baixar um VPN. Do contrário, eu não conseguiria boa comunicação com o mundo ocidental. VPN significa Rede Virtual Privada e é capaz de mascarar o IP do aparelho e a localização. Como na China todas as nossas redes sociais e até o Google são bloqueados, tendo um VPN eu conseguia navegar sem deixar rastros.

Até o início de 2019, este era o maior Starbucks do mundo.

No dia seguinte, eu estava procurando os Correios de lá, então perguntei a uma mulher na rua onde era o post office. Ela foi super gentil de me levar até o local, que era pertinho. Me deixou numa delegacia de polícia e aí eu entendi: ela deve ter entendido police office. Pior é que o caminho era contrário aos Correios, então ainda tive de andar a mais. Continuei procurando e, enfim, cheguei aos Correios, mas porque, desta vez, eu perguntei pra pessoa certa – era um chinês que falava inglês super bem, me levou até lá e ainda foi meu tradutor. Contei pra ele que minha ideia era esvaziar a mala, despachando para o Brasil algumas tralhas coisas que eu não precisaria mais, pra andar com uma mala mais leve. O funcionário explicou que, pro primeiro quilo enviado, a tarifa era de R$80,00; pros quilos adicionais, R$12,00. Eles fornecem a caixa, que já está incluída nesse valor. Pensei na proposta e deixei pra fazer isso no dia seguinte. Saindo, meu novo amigo me acompanhou até a estação de metrô, me contando várias coisas de Shanghai e dando recomendações. Passamos pelo maior Starbucks do mundo, segundo ele. Na verdade, até então, aquela era mesmo a maior unidade mundial, mas, em novembro de 2019, a franquia de Chicago ficou com o título. Até eu que não sou fã de café já achei o local o máximo. Me despedi dele e fiquei por ali mesmo. Acho que aquela devia ser a Starbucks mais cara do mundo também, porque tinha garrafa ali sendo vendida por mais de R$200,00.

  


Por dentro do Starbucks Shanghai.

Caminhei pela rua do Starbucks (Avenida Nanjing) até chegar ao Museu Shanghai, onde fiquei por duas horas, mas o mais legal é o terraço, no quinto andar. Não muito alto, mas tem uma vista linda da redondeza. Parei um pouco também na People’s Square, ao lado, andei mais um pouco, comi uma fatia de pizza por 38CNY (R$23,00). Continuei caminhando até um calçadão rodeado por lojas e um carrinho (estilo trenzinho da alegria) que atravessava o calçadão por 5CNY (R$3,00). Subi nele e desci perto da beira do rio (outro rio, o principal, Rio Huangpu). E por ali andei até me cansar da vista (não cansei, na verdade). Na hora de voltar pra casa, chamei um táxi, e o taxista não queria usar o taxímetro, mas negociar a corrida por... 200 dó-la-res. E isso aconteceu com vários taxistas. Mas aí teve um que aceitou ligar o taxímetro. A corrida começou e aquele taxímetro estava rodando muito estranho, muito rápido pro meu gosto. Desconfiado, pedi pra ele encerrar a corrida e quis entregar o que o taxímetro marcava. Ele tentou me acalmar, dizendo no tradutor: “Façamos um trato – você me dá 100 dólares e ficamos ok”. Fiquei puto com muita raiva e acabei saindo do táxi sem pagar e batendo a porta.


Tentei um outro táxi. Tudo parecia muito bem, até que ele parou num lugar que não era onde eu pedi. Falei isso pra ele, mas aí eu percebi que eu realmente tinha pedido pra ele me deixar ali, pois era o endereço marcado no cartão do hotel que eu dei pra ele. Como o hotel tinha duas unidades na cidade, o recepcionista tinha me dado um cartão da unidade que não era da que eu estava hospedado. Conseguimos chegar ao hotel certo e mais uma noite se encerrava de maneira frustrada na China. Pelo menos o gerente aceitou em me reembolsar pelo gasto a mais que a corrida custou.

Avenida Nanjing. Sempre algo interessante pra se ver.

Terceiro dia em Shanghai foi com a manhã dedicada a despachar as coisas pro Brasil, via Correios. O funcionário revistou os itens, a ver se tinha coisas proibidas. Escrevi o endereço em todos os lados da caixa, por segurança, e, quatro meses depois, o conteúdo chegou a salvo no meu endereço. À tarde foi tempo de conhecer Xintiandi, uma área muito arborizada, que, pra mim, tinha um clima meio de Palermo, em Buenos Aires. De lá fui pra outra área que, olhando pelo mapa, parecia perto. Quando eu tinha dúvidas sobre que caminho seguir, eu perguntava a alguém na rua e eles tinham muito boa vontade de ajudar, mesmo que não falássemos a língua um do outro. Mas eu achava bizarra a dependência dos chineses pros celulares, porque dificilmente me explicavam de maneira prática como “segue reto, vire à esquerda duas vezes e pergunte novamente”. Era sempre com o suporte da tela do aparelho. Tinha vezes que até me mandavam pegar o metrô pra percorrer somente uma estação, ou uma distância de menos de 2km. Pra eu conseguir usar a internet no meu celular pra me salvar de momentos assim, eu não conseguia, mesmo com a numerosa oferta de rede sem fio por todos os lugares porque, quando eu ligava o wifi, o navegador abria e me pedia um número de telefone e uma senha, e um SMS seria enviado pro meu telefone, mas eu nunca recebia o SMS, mesmo que houvesse sinal no meu aparelho. Quando conseguia conectar, eu era direcionado automaticamente a um site todo em chinês, mas os resultados das buscas que eu tentava fazer eram muito esquisitas. Aí deduzi que só funcionaria se meu telefone fosse chinês. Só no Starbucks e no hotel não tive problemas. Um viva ao VPN!

Não me lembro de onde tirei essa foto.

Enfim, acabei parando num lugar cujo nome não me lembro, mas era um lugar antigo, com vários corredores estreitos com os mais diversos tipos de loja. Ao comprar coisas nesse tipo de ambiente na China, dá sempre pra propor um preço que seja metade do valor oferecido (com certeza dá, pode ir sem medo), às vezes até um quarto do valor talvez você consiga. Ex.: o preço inicial da echarpe era 99CNY (R$60,00). Deu pra levar duas por 130CNY (R$79,00, ou seja, quase R$40,00 cada). Adorei esse bairro, pena que não sei te falar onde fica.

Adorei Shanghai.

Quarto dia: comecei pelo Museu dos Refugiados Judeus, cujo último piso é só sobre a história de Anne Frank. De lá, fui para NaoYangfang, um centro cultural muito legal onde casais e adolescentes parecem usar principalmente para fazer book fotográfico. A arquitetura do prédio é que é esquisitamente interessante.  Peguei um outro metrô até o Yuyuan Garden. Pelo jardim não andei (deixei pra conhecer outro dia), mas só pelas lojas, cujos vendedores não se conformavam de eu apenas olhar pras suas vitrines e não levar nada. Algumas vezes, depois de eu dizer “Não” e continuar andando, eles vinham atrás de mim, dizendo: “Então o que você quer comprar? Entra e olha o que tenho na minha loja”. Fiquei na dúvida se isso era a etiqueta chinesa de vendas ou desespero.

Cruzeiro pelo Rio Huangpu.
Ao fundo, Pearl Tower, World Financial Center e Shanghai Tower.

Quando passei pela prefeitura de Shanghai, achei parecida com a prefeitura de Blumenau-SC. Eu sei que os dois prédios não têm nada a ver um com o outro, mas pra mim, tinha. Dá licença. À noite, passeei de barco pelo Rio Huangpu, afinal, naquele dia eu ainda não tinha tido nenhuma das minhas frustrações, então fui lá pra me ferrar passar um perrenguinho, como estava sendo rotineiro em todo fim de noite. Era impossível ficar no teto, na área externa do barco, de tão cheio que estava. Fiquei na parte coberta, mas o excesso de luz interior refletia no vidro e estava muito ruim de ver a paisagem do rio e das orlas. A gravação turística era em chinês e em inglês, mas não achei o áudio bom. Conclusão: não valeu a pena ter pago por esse “cruzeiro".

Surpresas no calçadão do Rio Huangpu.

Andei pela beirada do rio e voltei pra casa de táxi por 19CNY (R$12,00). Minhas fotos noturnas não ficaram boas e, contraditoriamente, não vi vendedores na beira do rio, justamente num lugar tão turístico. Com aquele desespero todo que os chineses demonstraram ao vender alguma coisa lá no Yuyuan Garden, eu esperava ser abordado a cada cinco passos por alguém tentando me enfiar vender alguma bugiganga utensílio chinês.

Nessa fonte, o infinito se completa quando há movimento da água.

Quinto dia foi pra dar uma volta, até chegar novamente até Xintiandi, que gostei muito e aí, de metrô, fui até a People’s Square, porque era sábado e eu só acreditei porque eu vi (preparem-se!) os pais oferecendo os filhos em casamento. Funciona assim: eles colocam um guarda-chuvas no chão e pregam nele uma espécie de currículo que fala sobre o jovem. Os pais vão conversando entre si e aí ACHO que devem pedir pros filhos se encontrarem... Não sei direito o que acontece depois desse primeiro contato. Na hora, de tão surreal e antiquado (aos meus olhos) que eu achei, filmei, mas eu não tinha noção de que eles ficavam incomodados. Quando uma mulher cobriu o rosto é que percebi que eu estava sendo invasivo e tratando as pessoas como se elas fossem animaizinhos num zoológico. Depois desse dia, penso com mais cuidado na forma de me relacionar com as pessoas locais dos lugares que visito.

Mirante do Shanghai Museum.

Na People's Square tem um museu, mas achei que R$40,00 era caro, afinal eu estava vendo grátis pessoas negociando o casamento dos próprios filhos. Nenhum quadro pós moderno seria mais interessante do que isso. Depois de explorar a praça, fui novamente no Museu de Shanghai, aquele do primeiro dia e que era grátis, porque a visão do mirante lá era demais mesmo, e eu não tinha tido tempo de ver o último piso, nem o prédio anexo, que é a galeria de arte contemporânea, onde havia uma exposição de cerâmica.

Outra das surpresas que se encontra pelas ruas da China.

Saindo dali, procurei pelo Fake Market, algo recomendado de se visitar, mas que acabei deixando pra lá porque não funcionava mais no endereço que haviam me dado. Na porta, há pessoas que se oferecem pra te levar de carro pro local atual, só que essas pessoas são vendedores e aí fiquei sem graça de aceitar uma carona e não comprar nada na loja dele, então achei melhor nem ir. Quando você passar por uma Avenida que chama Nanjing, tome qualquer direção dela e saia andando, porque a cada quadra aparece alguma coisinha curiosa pra fotografar ou visitar. E, se passar pelo Starbucks, lembre-se que dá pra usar o wifi de graça.

Vista da cobertura do Hotel Hyatt.

À noite, voltei pra beira do Rio Huangpu porque o visual lá talvez seja o mais bonito de Shanghai, mas, desta vez, fui ao topo do Hotel Hyatt, onde há um bar e você consegue reservar um assento/mesa pagando o correspondente a R$65,00 por pessoa, convertido em consumação de uma bebida por pessoa. Detalhe: isso não te garante um bom lugar, porque, pra ter a mesa reservada exclusivamente pra você, precisa pagar mais. Eu não paguei e propus ao garçom de ficar numa mesa boa até o dono da reserva chegar e ele aceitou. Então, paguei mais barato que muita gente e aproveitei igual. Cheguei mais cedo (nem precisa ser tão cedo), me sentei perto de uma janela e fiquei simplesmente “meditando” diante daquela vista. O dono da mesa demorou e acabei ficando ali por duas horas. No terraço, na parte externa, tem uma baladinha até com uma jacuzzi no meio e qualquer pessoa pode entrar, se tiver levado roupa de banho.

Rotatória em frente à Torre Pérola.


Finalizei o passeio em Shanghai num domingo, pelo Parque das Esculturas que fica perto do Museu de História Natural. Fiz isso rápido pra aproveitar o bilhete do metrô, já que venceria ao meio-dia e meia. Peguei o trem e fui até o outro lado do Rio Huangpu. Lá é que estão os maiores prédios da cidade, como a  Torre de Pérola, que serve como transmissão de sinais de televisão e rádio, e observatório. A bola de cima tem um restaurante giratório, que leva uma hora e meia pra dar o giro completo.

  

Tudo o que eu cogitava fazer ali era muito caro (ir ao observatório do 100º andar do Financial Center, o prédio que parece um abridor de garrafa - 180CNY/R$108,00; atravessar o Bund sightseeing tunnel, um túnel subterrâneo por baixo do rio - 50CNY/R$30,00). Então andei pela beira do rio até chegar a um porto de balsa onde se pagava 2CNY (R$1,20, bem mais barato, né?) pra atravessar pro outro lado. Enquanto esperava a balsa, que sai a cada 15 minutos, um momento de felicidade: pela primeira vez em seis dias em Shanghai, eu consegui tirar uma bebida daquelas máquinas de enfiar moeda. Todo dia eu tentava uma diferente, lia o processo todo, acreditava que estava fazendo tudo certinho, mas nenhuma lata caía. Mas é que a maioria dessas máquinas também só aceitam cartão (Allipay, Ichat, essas coisas de China que a gente não conhece direito). Caminhei de novo até o Yuyuan Garden (que não tem graça nenhuma) e acabei descobrindo o Yuyuan Old Street, que é um mercadão. Na região, vê-se de tudo. De pessoas cortando o cabelo no meio da rua até vistas lindas, de onde se vê o antigo e o moderno de Shanghai num mesmo quadro:

 


De lá, parti pra estação de Hiagtchau pegar o trem de segunda classe até Hangzhou, pagando 75CNY (R$45,00) pela viagem de 50 minutos a Hangzhou.

Às margens do Rio Huangpu...
...cenário pra todo tipo de book.

PREÇOS – de maio de 2019:

Uma fatia de pizza margherita, um bolo de chocolate e dois cafés no Starbucks – 208CNY (R$125,00). Te avisei que era caro.

Sopa e fatia de pizza no Starbucks – 130CNY (R$78,00)

Caixa despachada pro Brasil – R$350,00.

Táxi do aeroporto até o History Museum Hotel de Shanghai deu 208CNY.

Deu pra perceber que o preço em real é 60% do preço em yuan? 

O câmbio do aeroporto foi bem parecido com o oficial, não achei abusivo.