"Frio é psicológico."
Ditado mais ou menos verdade e mais ou menos mentira.
Rio Angara – Irkutsk |
A primeira cidade russa que
conheci, Irkutsk, está a beira do Rio Angara, a 70km do Lago Baikal e a 447 km
da fronteira com a Mongólia. Metade do ano a temperatura é negativa, mas, em
maio de 2019, quando lá estive, o máximo que fiz foi colocar um agasalho à
noite, e, às vezes, de dia. Era final da primavera, então, até mesmo pra
brasileiros a sensação térmica estava agradável.
Cartaz avisando pra gente tomar cuidado com batedores de carteira. |
Meu primeiro dia em solo russo já começou levando um golpe de taxista. Ele me abordou logo na saída da estação de trem e eu aceitei que ele me levasse pro hotel. Ao entrar no carro, perguntei sobre o taxímetro e ele disse que era um aplicativo de celular. Pensei “Ok. Na Rússia deve ser diferente”, mas, durante o trajeto, eu olhava pra tela do aparelho e não via o valor, apenas o mapa. Ao fim do percurso de 2km, o homem me mostra o telefone e diz “1.384RUB”. Eu pensei “R$86,00 por 2km?”. Percebendo a minha incredulidade, ele disse “Ok. Pague 1.000RUB”. Aproveitando que ele me deixou na porta do hotel, pedi a ele pra esperar, entrei no hotel e perguntei à recepcionista: “Você acha normal uma corrida da estação de trem até aqui custar 1.384RUB?”. Com os olhos arregalados ela me respondeu que não. Voltei, entreguei a ele uma nota de 500RUB dizendo que pagaria só aquilo e pronto. Tempos depois, lendo um folheto turístico da cidade, mais uma prova de que realmente ele tentou me enganar. Lá dizia pra se tomar muito cuidado com “private taxis” porque costumam dar golpes, e que nenhuma corrida dentro da cidade custa mais do que 500RUB. Ainda bem que pensei rápido e não levei um prejuízo maior. Mas me parece que esse não é o único golpe que costumam aplicar por lá. A gente, como turista, precisa achar o equilíbrio entre confiar nas pessoas, relaxar e aproveitar; e estar atento. Esse tipo de sentimento dúbio faz parte de quase toda viagem internacional.
Igreja de Nosso Salvador. |
Essa decepção inicial foi
compensada com a beleza de onde eu estava. O hotel onde fiquei era perto do
monumento Eternal Fire (Fogo Eterno), que homenageia os soldados siberianos que
lutaram contra os nazistas na Segunda Guerra Mundial. Ele está ao lado da
Igreja de Nosso Salvador (Spasskaya Church), de estilo barroco siberiano, que,
por sua vez, está ao lado da Igreja da Epifania (Epiphany Cathedral), perto do
Salão do Órgão (que também é uma antiga igreja), ao lado da Praça Kirov e das
margens do Rio Angara, lugar ótimo pra ver o pôr do sol. À sua borda, um longo
calçadão, um grande portal e uma estátua em homenagem aos fundadores de Irkutsk.
Com tantos pontos importantes juntos e tanta beleza, esse foi o cantinho da
cidade onde eu mais gostei de ficar. Naquela tarde comprei uns pães e umas
geleias e me sentei à beira do rio pra fazer um lanche. Voltei pro hotel só
depois que anoiteceu, às 22h. Sim, no fim da primavera siberiana, o sol se põe
por volta das 21h.
Monumento do Fogo Eterno e Igreja de Nosso Salvador
Monumento do Fogo Eterno. |
Ainda nesse dia de caminhada pela região, eu vi que um palco estava sendo montado e me aproximei pra perguntar sobre que evento aconteceria. Falaram que era pra comemorar o aniversário da cidade e que a festa seria no dia 1/6 (embora o aniversário seja em 6/6). Pena que eu já tinha passagem de trem comprada pra Ecaterimburgo justamente pra esse dia e achei que seria muito trabalhoso ter de remarcar tudo. Foi uma pena que eu não tinha me informado dessa festa antes.
No segundo dia, foi a saga de
trocar meus yuans (moeda da China) e mongóis (moeda da Mongólia) por rublos,
porque eu tinha passado por outros países antes. Pena que nenhum banco quis
trocar os mongóis. Pelo menos foi uma caminhada que serviu pra ir vendo melhor
a cidade. Em Irkutsk as casas e vários prédios são de madeira com detalhes
esculpidos nas fachadas e nos telhados. Os antigos carpinteiros realmente
tinham as mãos muito habilidosas e, em cada construção, você vê artes e adornos
diferentes, principalmente quando olhar pras janelas. Pra conhecer o interior
de uma, vá ao Museu da Vida Cotidiana de Irkutsk (Museum of Irkutsk Everyday Life).
Dentre vários outros museus, destaco o Museu do Chá (Tea Museum), pois a cidade
já foi um polo importante na produção de chá. Os dois estão no mesmo complexo,
onde está também o centro de informações turísticas. Depois de tirar da
funcionária toda informação possível, finalmente fui conhecer o grande lago
Baikal.
Chegando a Listvyanka, cidade vizinha a Irkutsk. |
A 70km de Irkust está Listvyanka, cidade que margeia o Lago Baikal por 5km. A margem toda do Baikal é de 2.100km, e 20% da água doce do mundo inteiro está lá, fazendo dele o maior do mundo em profundidade. Se você estiver de trem, vindo da Mongólia, como foi o meu caso, grande parte do trajeto final será feito margeando o Baikal, então você já o conhecerá um pouco e verá o quão espetacular ele é. É no mercado de Irkutsk que estão vários motoristas de van que te levam até o lago. Aproveitei pra comprar umas cerejas e ir comendo no caminho. Foi só eu chegar que a van já encheu e partimos, não só cheia de turistas, mas de gente local também. Engraçado que os veículos de lá podem ter o volante tanto do lado esquerdo quanto do direito, mas todo mundo dirige do lado direito da estrada, como nós. O trajeto leva uma hora e muita gente desce ou sobe nesse meio tempo. Eu desci na entrada de Listvyanka, porque assim eu pude conhecer melhor a cidade e o lago. É evidente como a sensação térmica é menor quando se chega lá. Eu pensei que eu nadaria no lago quando o visse, mas, ao colocar a mão na água e lavar o rosto, perdi a coragem.
Nessa caminhada, vi museus, adolescentes
corajosos nadando no lago, pessoas se bronzeando, fazendo passeio de barco e
uma casa onde se podia pagar 20RUB pra ver um urso caramelo. Paguei, afinal
esse é um dos símbolos da Rússia, mas depois me arrependi, porque acabei
ficando com dó de o urso estar enjaulado. Não tenho foto porque, pra isso,
precisava pagar um pouco a mais. Excursões pelo lago também não paguei porque
achei caro 1.000RUB (R$60,00) por meia hora apenas. Depois de uma hora de
caminhada bem tranquila, cheguei ao Mercado de Listvyanka, onde vendem o peixe
mais gostoso que você comerá na vida, mais gostoso até que salmão, eu garanto. Omul
é um peixe típico do Baikal servido frio ou quente. Claro que aproveitam também
para vender lembrancinhas russas, como matriôscas (tanto de vovozinhas quanto
dos ex-presidentes russos), chaveiros, camisetas e tudo mais.
Interior da sinagoga onde me deram comida de graça. |
No terceiro e último dia, peguei
um ônibus até o 130th Quarter (130 kvartal), onde tem alguns bons restaurantes.
Fui até o Parque Jerusalém (Jerusalem Park), mas não achei bem cuidado. De lá
fui até a Sinagoga, uma grande casa de dois andares de madeira, linda como
todas as outras. Assisti à reunião e, ao final, uma grande surpresa: me
chamaram pro jantar vegetariano deles. Não esperava ser tão bem recebido e ter
a chance de experimentar boa comida russa e vodka grátis tão rápido. Que bom
que o jeito amável desse grupo de russos compensou aquele outro russo que
tentou me dar um golpe. No fim do dia, me abasteci num supermercado, porque eu
sairia de trem às 3h37 daquela madrugada, numa jornada de 52 horas até Ecaterimburgo.
Os carros podiam ter volante tanto do lado esquerdo quanto do lado direito. |
Concerto no Organ Hall – 550RUB –
R$35,00
Banheiro público - 20RUB / R$1,25
Ônibus circular – 20RUB
Bonde circular – 15RUB
Museu do Chá e da Vida de
Irkustk - 120RUB / R$8,00
Passagem de trem de Irkutsk a
Ecaterimburgo – 10.296RUB / R$644,00 (cabine de 4 pessoas)
Feira de Listvyanka:
Peixe – a partir de 150 RUB /
R$10,00
Arroz com cenoura e carne – 80RUB
/ R$5,00
Coca Cola – 80RUB / R$5,00
Pão – 80RUB
Dica final:
Existe um aplicativo chamado
Russian Railways que te mostra os horários de trem e preços e tudo mais sobre
os trens da Ferrovia Transiberiana. Eu senti muito medo de fazer a compra pelo
aplicativo e acabar me confundindo com fuso horário ou falta de lugar pra
imprimir bilhete. Então usava-o só pra ter uma ideia do preço e comprar
pessoalmente nas bilheterias das estações, já informando o dia e horário que eu
queria. O preço informado pela vendedora era sempre igual ao do aplicativo,
então eu me sentia muito mais seguro fazendo essa compra pessoalmente. Mas nem
todos os russos falam inglês, e eu ainda não falo russo, então o tradutor do
celular estava sempre presente nessas conversas. Como eu já tinha parado em
Pequim (China) e Ulan Baator (Mongólia) também viajando de trem, em Irkutski já
resolvi fechar as passagens até o fim da Transiberiana (Moscou), aproveitando
que a vendedora falava um pouquinho de inglês e era muito paciente e simpática,
ao contrário de outras que acabei encontrando depois. Explico também aqui neste vídeo:
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