terça-feira, 1 de novembro de 2022

Locomotivas

"Conquistar o mundo a cavalo é fácil. Desmontar e governar é que é difícil".
Genghis Khan, fundador do império mongol.
Primeira tarde na capital mongol.

 Viajar 5.800 km de trem. Me sinto muito honrado de ter feito isso e, como foi a passeio, não achei cansativo. Eu gostava de tudo, até das noites que tive de dormir sem banho e da vez que fiquei dois dias inteiros sacolejando pra ir de uma cidade russa a outra (57 horas de viagem!). Lógico que nem mesmo os trechos longos assim nós, passageiros, éramos impedidos de sair do trem. Ele para muito e o tempo das paradas também varia. Umas vezes eram só embarque e desembarque, mas, vez ou outra, dá pra ir a lanchonete da estação e comprar algo, ou usar o banheiro. Sim, no trem tem banheiro e não vi nenhum problema nele. Mas tem gente que não gosta. Aqui, conto um pouco sobre como é viajar na ferrovia Transiberiana.

Não me lembro do nome da praça, nem do monumento.

Saí de Pequim com destino a Moscou, mas fazendo muitas paradas, claro. A primeira foi uma parada técnica em Erlian, fronteira China/Mongólia. Em cada país o sistema de trilhos é de um jeito, então, quando o trem chega à fronteira, todos os passageiros descem e a locomotiva é erguida a fim de se trocar TODOS os... pneus? Rodas? Eu não sei como fala... É a parte debaixo do trem. O processo todo dura em cerca de duas horas. A viagem continua e é lindo de se ver como a paisagem da natureza e das casas ao redor da Transiberiana vai mudando.

Praça Sukhbaatar, sobrenome de um heroi revolucionário.

Em Erlian o trem ficou parado por quatro horas. Como chegou lá já à noite, não deu pra conhecer nada dessa cidade, O trem sairia às 1h e eu pensava em voltar à meia noite.porque o funcionário pediu pra chegar à estação às 23h.  Voltei antes porque ele pediu e também não tinha nada a se ver em Erlian. Só parei num restaurante porque, viajando muito de trem, minha alimentação era o que dava pra comer no trem: miojo, chá, biscoitos, sanduíches. Achei as cidades mongóis parecidas com cidades muito pequenas de interior. Nem a capital Ulan Bator tem aquela leve loucura de metrópole. Até rua sem calçamento em região turística tinha e achei muito calma.

Praça Sukhbaatar.

Tem horas que a gente precisa tentar não 
pensar em português, mas não consegue.

Ao chegar a Ulan Bator, a tarefa a cumprir era comprar o próximo trecho de passagem, até Irkutski, Rússia. Havia algumas pessoas de agências turísticas ali, disponíveis a “fisgar um cliente”, eu pensei. Aceitei a ajuda de uma jovem porque, sem dominar a língua mongol e sem achar uma funcionária do caixa que falasse inglês, eu não podia recusar. Depois fui percebendo que a ajuda era realmente desinteressada. Minha amiga até ofereceu 2USD pra um jovem que também nos acompanhava e ele recusou várias vezes, dizendo que o fazia não pelo dinheiro, mas pelo prazer de ajudar. Saí da rodoviária sem passagens porque a menina que me ajudava tinha o contato de um vendedor de passagens que conseguia um preço melhor. Fui pro hotel e marquei um encontro com ele, morrendo de medo de golpe. Na Mongólia não tem táxi. O costume é as pessoas pararem qualquer carro na rua, dizerem pra onde vão e negociar o valor com o motorista. Ou seja, qualquer um que quiser vira taxista ou Uber. O nosso custou 2USD. Esse é um costume russo também.



Senso de humor mongol.

Vegetariano sofre um pouco pra comer na Mongólia porque a culinária deles envolve muita carne e ela até acaba sendo mais barata do que pratos com vegetais e frutas, que vêm praticamente todos de fora. As refeições que fiz lá eram sempre com carne, mas de boi ou carneiro. A famosa carne de cavalo eu não comi. Tinha vontade, mas não procurei. A coisa mais “exótica” que comi foram cogumelos pretos.

A maioria das pessoas que viaja pela Mongólia o faz no interior e me parece que é lá que se tem as experiências mais interessantes, onde se conhecem os costumes da gente e as mais bonitas paisagens, principalmente no deserto de Gobi. Eu só fiquei na capital, então vi um show pra turista (ótimo por sinal), uma praça, museu, templos, estátuas de Genghis Khan, coisa que a gente sempre faz em qualquer lugar. Lá eles têm um jeito engraçado de se cobrar entrada. Tanto no show quanto no Museu da Mongólia (National Museum) há duas opções de ingresso: um com direito a fotografar e outro sem. Embora eu tivesse sentido vontade de registrar algumas coisas que vi, não me conformava em ter de pagar a mais por isso. O preço praticamente dobrava, então não tenho imagens desses locais. Ninguém confiscou meu celular, mas vi que ficavam de olho pra ver se eu realmente não estava batendo fotos.

O show Tumen Ekh eu recomendo muito. São várias apresentações de danças e músicas mongóis, sem microfone, tudo com som natural, bem perto de você. Por conta disso o espaço da plateia é sempre pequeno e costuma encher. Tinha um cara que fazia coisas tão incríveis com a voz, coisas que não vi em nenhuma edição do “The Voice”. Mas não é um show apoteótico, eu ressalto, é mais intimista. Acontece no The National Culture and Recreation Park, que parece meio abandonado. Falta um certo cuidado de zeladoria urbana na cidade, eu senti. Mas também entendo que é difícil de se manter jardins bem cuidados num país onde o clima é desértico e frio.

Tumen Ekh.

Me senti seguro ao andar por Ulan Bator, mas vez ou outra você verá algum cartaz te pedindo pra tomar cuidado com os batedores de carteira. Estranho que até nos templos religiosos tinha esse aviso. Perto do hotel onde fiquei, tirei uma manhã pra ver o templo tibetano Meqjid Janraysiq Temple e o monastério Gandanteqchilen. A estátua que está dentro de um dos templos é uma das maiores do mundo em um lugar fechado. Muitos acham que é Buda, mas é um antigo rei mongol. Olhando o prédio por fora, estimo que ele fosse da altura de um prédio de oito andares.

Teatro do The National Culture and Recreation Park.

Conheci ainda a State Department Store, que é um shopping, mas também foi legal de ver, pra tirar um pouco o pré-conceito que eu tinha de que havia pouca tecnologia no país. Parecia um shopping de qualquer lugar do mundo. Durante essa caminhada pelo centro, entrei no National Concert Hall e o porteiro me deixou entrar no teatro. Acontecia um show de marionetes para crianças e eu fiquei assistindo um pouquinho, de graça. Saí e fui pra Praça Suhbratar, onde tem a Casa do Governo. Eu estava bem na hora em que um grupo de soldados passou marchando em sincronia pela praça. Eu já tinha visto algo parecido em Buenos Aires e Budapeste, mas é algo sempre muito legal de se ver.

Do hotel até a estação do trem tentei ir de “táxi” de novo. O novo amigo Gamba tentou negociar com os carros que passavam por nós, mas resolvemos ir de ônibus circular mesmo. Custou centavos. Pra saber como foi essa viagem sobre trilhos, fiz um vídeo mostrando o trem por dentro e narrando algumas experiências. Só clicar nele abaixo:

 


Claro que nada é perfeito.

Preços de maio de 2019, em Tugrik Mongol (MNT) e Real:

Show folclórico “Tumen Ekh Ensemble of Traditional Cultural Heritage” – 30.000MNT / R$60,00 (sem a taxa de fotografia).

National Museum of Mongolia – 10.000MNT / R$20,00. Pra tirar foto, é só pagar mais 10.000MNT, mesmo assim tem áreas que não se pode fotografar. O conteúdo é interessante, e cobre desde a pré história até a Mongólia tornar-se um país democrático.

Ônibus circular – 500MNT / menos de R$1,00.

Entrada do setor do monastério onde está a estátua do rei – 4.000MNT / R$8,00.



Marca de café mongol.