"Há momentos que parece que perdemos o controle de tudo. Nesse momento é que descobrimos que, na verdade, nunca tivemos o controle de nada."
Valdir Aquino Lubas, pastor.
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Norwegian Jewel e eu, um dia antes do embarque. |
Em 28 de fevereiro de 2020, um
navio da Norwegian Cruise Lines (NCL) deixou a Austrália, com cerca de 2000
pessoas para navegar pelo Oceano Pacífico até o dia 20 de março, quando deveria
finalizar viagem no Tahiti. Claro que, como todo navio de cruzeiro, ele já
estava de viagem antes e continuaria sua viagem depois, mas era esse o trajeto
que eu faria, a trabalho, como personal dancer. Antes mesmo de eu embarcar
nele, em Sydney, a NCL já mandava e-mails oferecendo a possibilidade de
reembolso a quem quisesse, já que quase todo o mundo comentava sobre o novo coronavírus.
Só que a situação no meio de fevereiro, era muito duvidosa, pelo menos pra mim.
Tanto eu como outras pessoas, ao mesmo tempo que tínhamos medo de viajar,
também não tínhamos. Só que, com passagens de avião compradas há muito tempo,
assim como reserva de hotéis, ninguém queria cancelar, e como o roteiro do navio
passava longe do centro do furacão da pandemia (China) e como pandemia era uma
coisa que, até então, só víamos no cinema, “ninguém” desistiu, tanto que havia
hóspedes de várias nacionalidades a bordo, como é normal em todo navio de
cruzeiro. No entanto, um detalhe que só depois, na minha opinião, poderíamos
ter visto como alerta: o itinerário do navio já havia mudado duas vezes antes
do embarque, com a diminuição de, acho, quatro portos.
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Festa noturna na piscina |
Tudo ocorria tão bem quanto em
outros dois navios que eu já tinha viajado até que, na quinta, dia 12 de março,
um aviso sonoro toca no navio inteiro e o capitão, Kenneth, anuncia que a
Polinésia Francesa tinha fechado os portos a todos os navios de cruzeiro e que
seríamos impedidos de entrar; que retornaríamos às Ilhas Fiji e que lá
desembarcaríamos. Só que, no dia seguinte, que não era dia 13, mas dia 14 (sim,
a novidade foi contada no dia 12 e, um dia depois, já era dia 14; depois
explico). No dia seguinte, já avisaram que iríamos pra Auckland, na Nova
Zelândia, e que precisaríamos providenciar passagens aéreas a partir de lá.
Acredito eu que consideraram um ponto estratégico melhor, já que havia
neozelandeses a bordo e o aeroporto de lá tem muito mais conexões pra
aeroportos grandes do que o aeroporto da capital das Ilhas Fiji. Liberaram internet gratuita a todos os
hóspedes, pra providenciarmos passagens. O acesso era em notebooks do próprio
navio. Só que, pra mais de mil hóspedes desesperados, as filas pra esses
computadores eram de mais ou menos cinco horas, sem exagero. E pra uma internet
meio lenta, já que a quantidade de pessoas usando era inesperada pro sistema.
Depois que um monte de gente já tinha sua passagem comprada... Surpresa! Nova Zelândia também decidiu fechar os portos.
Daí o navio nos liberou também a internet a partir do celular (só uma hora) pra
tentarmos cancelar, usando a política de cancelamento de 24 horas, aplicável,
acho eu, a quase as companhias aéreas.
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Teatro com capacidade pra mais de mil pessoas. |
Impedidos também de regressar à Austrália, de onde tínhamos partido, o Norwegian Jewel negociou
com as Ilhas Fij, que aceitaram nos receber, mas recusaram em seguida, depois quevários hóspedes tinham novamente comprado passagens aéreas de volta para casa, partindo de Fij.
E qual foi minha reação diante de mais uma recusa? Nenhuma. Continuei fazendo no mínimo cinco abastadas refeições ao dia, comendo o
máximo que coubesse dentro de mim, indo na piscina, na sauna, na academia,
teatro, brincadeiras da equipe de animação, como se epidemia continuasse sendo uma coisa só de cinema. Eu estava numa bolha de 295m de
comprimento por 33 de largura, a 40km/h, rodeada por uma paleta de não sei
quantos tons de azul do Oceano Índico, cheio de atividades de entretenimento e
pratos cujos nomes eu nem sei pronunciar direito. Você acha que eu ia me
preocupar com koronaváyrus? Se nem quando eu estou no Brasil, à toa, eu me
interesso pelo que os noticiários dizem, imaginem quando eu estou num cruzeiro
pela Oceania.
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A cor do mar podia ser assim, |
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ou assim, |
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ou assim, quando o esgoto
era jogado no mar. |
Não se preocupe com a foto acima. Jogar esgoto no mar é uma atividade permitida por lei. O material é descartado lentamente e após ser tratado. A parte de resíduos que pode ser prejudicial ao meio ambiente é armazenada e aí, sim, descartada somente em terra. Depois de ter seu desembarque
recusado por quatro países, A NCL (Norwegian Cruise Lines) passou a dialogar e
redialogar os portos, e a Samoa Americana aceitou receber o navio, mas somente
para abastecimento de alimentos, bebidas e demais suprimentos. Agora, imagine
você em SA-MO-A e não poder nem pisar numa prainha... Teve até carro de polícia
na porta do navio pra garantir que ninguém ia descer mesmo. Diante dos fatos,
iniciou-se um período de incertezas e mais medo nos que estavam a bordo e até o
SBT e a Globo começaram a falar da gente, no
SBT Brasil,
Fantástico e
Bom Dia Brasil, respectivamente. Não sei
como ninguém infartou a bordo. Acesse a matéria pra ver alguns dos 42
brasileiros a bordo e, se tiver tempo, por favor, leia os comentários.
https://g1.globo.com/mundo/noticia/2020/03/18/brasileiros-em-navio-rejeitado-por-4-paises-temem-nao-conseguir-voltar-para-casa.ghtml
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Dava pra passar o tempo comendo, |
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dobrando balões |
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ou rezando |
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Consulta de R$600,00.
Mas, se fosse fora do horário de atendimento
do médico, aí eram R$800,00. |
Mais uma vez o sinal sonoro de
aviso tocou, todos fizeram silêncio total já quase tendo um derrame e o capitão
diz que a solução encontrada pela empresa foi finalizar a viagem no Havaí, e que chegaríamos
a Honolulu em 22/3. Enviaram cartas pras nossas cabines, pedindo que
comprássemos voo de volta pra casa. Quem não conseguisse, era só pedir ajuda no
serviço de atendimento. Também pediram que, se alguém tivesse alguma dificuldade
médica, como remédios controlados que estivessem acabando, que relatasse à equipe
médica. Só que eles queriam que as pessoas pagassem pela consulta - olha o
preço aí do lado.
Na internet, vi notícias apenas
americanas de que não desembarcaríamos em Honolulu, mas que pararíamos lá só pra
abastecer e pegar alimentos. Isso me
dava ainda mais incerteza, só que, como a solução pra essa situação não
dependia de mim, a única coisa que me restava era continuar comendo e me
divertindo, principalmente com as fofocas. Começaram a surgir rumores de que
talvez pararíamos na Califórnia e que havia uma estrutura médica sendo construída no
porto pra receber a gente; outra possibilidade era "vá pra cuba!", mas as pessoas
também diziam que o Canal do Panamá estava fechado. No fim, a gente acabou descendo
no Havaí mesmo e distribuídos em voos fretados que saíram de Honolulu pra algum
canto do mundo, de acordo com o endereço da pessoa. Pros sulamericanos, a
Norwegian fretou apenas até Los Angeles, aeroporto que tem a chegada e saída
mais linda que eu já vi até hoje. De lá, cada um pagou o seu. Por sorte, a essa
altura as empresas já estavam praticando preços mais baratos que o normal.
Então, mesmo comprando em cima da hora, Los Angeles – Guarulhos custou $276,00 pela Delta, algo em torno de R$1.500,00. Viu como no fim tudo terminou bem e não precisava de eu ter ficado sofrendo com o futuro, e gastar horas na fila da internet tentando resolver um problema que não estava a meu alcance? Aliás, nada na vida está sob o nosso controle absoluto e eu tinha coisas muito mais interessantes para pensar como, por exemplo, animaizinhos feitos com a toalha de banho!!! Aaaai, que fofo!!!
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O camareiro Rodrigo preparava essa surpresa |
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pra quando a gente chegava na cabine à noite. |
Outro problema com que tivemos de
lidar: muitos passageiros não tinham visto norte-americano, o que demandou
soluções burocráticas entre a NCL e autoridades dos Estados Unidos. Um dia
depois de chegarmos ao Havaí, todos passaram pelo serviço de imigração
americana e eu ganhei um "visto de trajeto", ou seja, uma entrada
apenas. Só lamentei eu não ser rico nessa hora, porque o visto tinha validade
até setembro de 2019. Doeu eu ter conseguido um visto americano, que é algo
difícil e caro, e não poder aproveitar e ficar lá nos EUA por uns seis meses à
toa. Se eu fosse rico, ninguém me segurava.
Desde quando nosso rolê sem rumo
pelo Pacífico começou, eu contei pra família o que estava acontecendo e eles
fizeram contatos com autoridades brasileiras que passaram a acompanhar o caso
do Norwegian Jewel, só que, logicamente, existiam outros brasileiros em maior
vulnerabilidade, estando em prioridade de atendimento, então a gente tinha de
se virar por conta mesmo. Como eu estava a trabalho fiquei menos preocupado também. A bordo, nunca faltou comida nem bebida. Só
precisávamos aguardar quando e onde poderíamos desembarcar. Apesar de todos os
contratempos e os sentimentos ruins que as notícias externas nos traziam, fui
bem feliz no período que estive a bordo, afinal estávamos sadios e sem qualquer
pessoa no barco contaminada pelo koronaváyrus.
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Bolo do dia de São Patrício |
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Bolo do jantar havaiano |
Em 24 março, os dois primeiros
grupos de pessoas a desembarcar da "Joia Norueguesa" já desembarcaram atrasados,
por motivos relacionados a procedimentos do aeroporto havaiano. Todos saíam
escoltados pela polícia. O check in e
inspeção de segurança eram na pista, nenhum passageiro tinha acesso às
facilidades do aeroporto, nem mesmo banheiro. O acordo com as autoridades
locais foi sairmos do barco direto pra dentro do avião. Não tinha máquina de
raio X, então funcionários de luvas abriam (na nossa frente) cada compartimento
das nossas bagagens de mão. Depois as pessoas entravam no ônibus de novo e só aí
entravam no avião. O terceiro grupo a sair do navio
(o meu) foi só no dia seguinte, às 4h da manhã, para voar às 7h pra Los Angeles,
previsão de chegada pras 15h. Só que era pra gente ter saído no dia anterior
também, então muita gente já tinha comprado passagem pro Brasil e acabou
perdendo, e nem todo mundo conseguiu cancelar ou remarcar a tempo. Consegui remarcar o meu pra quinta, dia 26, meio dia, pagando 14 dólares a mais.
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Como pensar em problema com esse pôr do sol... |
O divertido disso tudo foi que,
no dia 12, tínhamos cruzado a linha internacional de data em direção a
Polinésia; fazendo o caminho de volta, pra Nova Zelândia, a cruzamos no sentido
contrário; e quando decidiu que iríamos pro Havaí a cruzamos novamente. Então,
tivemos dois dias 12 de março, nenhuma sexta-feira 13 de março (o que não nos
impediu de termos azar nessa viagem) e dois dias 16 de março. E eu sei que você
ficou confuso mesmo que tenha voltado pra ler de novo. Olha, mesmo que você
vivencie a situação de cruzar essa linha, você continuará meio que sem entender direito. Então reserve pelo menos uma hora pra ver alguém no youtube explicando
sobre ela, porque é muito difícil fazer isso sem desenhar. E acesse
https://www.instagram.com/rodanomundo/?igshid=1sc4g4cug73dj pra ver fotos desta e outras viagens.
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... ou com esta lua cheia? |
Realmente uma grande aventura! Adoro ler seus textos onde a nossa imaginação voaaa. Parabéns por ter aproveitado tudo no Cruzeiro, acho que eu não conseguiria diante das notícias! Abraços 👏👏
ResponderExcluirobrigado, rose! que bom que tem gostado.
ExcluirNossa...Que aventura hein?rs Neste seu relato tiramos de lição de que não devemos ficar sofrendo antecipadamente com algo que está fora do nosso alcance. Fico feliz por tudo ter ocorrido bem e você poder ter aproveitado.
ResponderExcluirOi Átila, tudo bem menino? Há quanto tempo! Olha, quando recebi seu e-mail falando do blog, fiquei super animada em saber que estava escrevendo. Mas logo que li que seria sobre relatos de viagem, eu pensei, pô que bosta... É o que mais tem por aí e a maioria é um saco. Mas resolvi dar uma olhadinha pois queria saber como andas. E não é que adorei? Você continua uma figura e isso passa até pro seu jeito de escrever. Sua escrita é a sua cara!
ResponderExcluirviva jack bauer!!!
Excluire eu adorei seu comentário. também pensei muito durante uma época que "essa coisa de relato de viagem já tinha demais", aí fiquei quatro anos sem escrever. voltei agora. fico muito feliz q tenha gostado. :)