quarta-feira, 1 de março de 2023

Anarquistas, Graças a Deus

"Nós não somos o que gostaríamos de ser. Nós não somos o que ainda iremos ser. Mas, graças a Deus, não somos mais quem nós éramos."
Martin Luther King

Monumento a Sholokhov, em Moscou.

Ela é cruzada por 11 fusos horários e suas terras ocupam um oitavo do planeta Terra, sendo do tamanho de Plutão em extensão geográfica. Em menos de um século, ela viveu três regimes: monarquia, sendo os Romanov os últimos monarcas no poder; depois o socialismo, que durou até o início dos anos 1990; e agora a democracia (ou quase isso). Em duas frases já deu pra sentir que a vida na Rússia é realmente intensa, né? Pisei lá em junho de 2019, após milhares de quilômetros viajando pela ferrovia Transiberiana, que termina (ou começa) em Moscou.

 












Talvez a minha grande surpresa quando conheci Moscou tenha sido o Parque VDNKH (leia-se algo como “vedenrá”, fotos acima) – Centro de Exposições das Conquistas Soviéticas. São vários pavilhões, um mais bonito que o outro, e cada um leva um nome de um país que fez parte da União Soviética. Dentro de cada pavilhão, alguma coisa exposta que mostre algo de bom de tal país. Em nem todos consegui entrar, como o da Armênia, fechado para restauração. O parque não tem muita sombra, mas as fontes e a jardinagem, junto à beleza dos pavilhões, deixa tudo magnífico. A minha surpresa maior foi que, enquanto eu caminhava, via um monumento enorme ao longe. Imaginei que lá seria o fim do parque. Ao chegar perto, vi que uma área enorme continuava atrás dele, e que o parque ainda não tinha terminado, mas acabava de revelar a mim uma outra parte pra eu explorar. Nessa outra parte está o Museu do Cosmonauta e alguns monumentos que exaltam a conquista espacial russa (fotos abaixo). Essa surpresa foi uma das melhores que tive em Moscou. Que cidade! Do outro lado do VDNKH, monumentos que celebram a conquista espacial por parte da Rússia.

 












Não bastasse o grande incêndio do século XIX que destruiu a cidade toda e quase matou Napoleão de fome, Stalin mandou queimar várias igrejas, porque ele queria que o país fosse ateu. Nos anos soviéticos, o ateísmo foi forçado constitucionalmente e todas as religiões foram perseguidas. Uma das igrejas, a de Cristo Salvador, que pode se conhecer de graça e onde fui no primeiro dia em Moscou, foi botada abaixo pra virar piscina (mas a ideia original era erguer o Palácio dos Sovietes, uma espécie de Burj Khalifa com uma estátua de Lênin no topo). Depois do fim da União Soviética, durante o governo Yeltsin, a reconstruíram o mais parecida possível com a Cristo Salvador original. Moscou é assim – uma cidade de mais de mil anos, mas com muitos prédios que foram construídos muito recentemente.


Baile de tango que acontecia uma vez por semana à noite,
na ponte atrás da Igreja do Cristo Salvador.


De trás da Igreja Cristo Salvador, se você olhar bem pra sua direita, verá uma estátua de um homem em cima de um barco, bem no meio do Rio Moscou. O homem é Pedro, o grande, e a área verde ao lado é o Parque Gorky, também um lugar ótimo de se passar metade do dia, porque tem fontes, lugar pra comer, esculturas, sala de exposições, trilha à beira do rio onde as pessoas caminham, andam de bicicleta ou patins. São tantas opções que o lugar se chama Centro de Cultura e Lazer Parque Gorky. Odeio definir a coisa com clichê de blogueiro de viagem, mas terei de falar que ele é um “museu a céu aberto”. Se você começar a ouvir música do nada, é normal. Algumas fontes têm caixa de som e toca de tudo: de música clássica a Ed Sheeran... A estação de metrô Parky Kultury é a mais próxima.


Monumento “Children’s are the victms of adult vices”, de Mihail Chemiakin.

Moscou tem vários monumentos que são muito belos, como é o caso deste acima. Mas belo de uma maneira diferente, é um bonito que causa um certo desconforto. A intenção do artista é mostrar como os adultos acabam sendo um mal exemplo pras crianças. 12 estátuas simbolizam vícios como bebedeira, prostituição, ganância... Bem no meio, uma estátua indiferente a tudo, enquanto duas crianças douradas vagam de olhos vendados no meio daquilo. Achei belo, ao mesmo tempo bem triste. “As crianças são vítimas dos vícios dos adultos” está na Praça Bolotnaya e vale a pena visita-la pelas sensações que pode te causar.

Meus amigos e eu na Rua Arbat.

A Rua Arbat (Арбат ул.) é apenas para pedestres, no centro histórico de Moscou. Lá talvez te pareça o lugar ideal pra se comprar lembrancinhas, mas resista – o melhor preço está em outro lugar. Lá eu só sugiro conhecer o Museu da Tortura e talvez parar pra almoçar. A Arbat está a 1 km do Kremlin, que eu visitei logo em seguida, achando que veria Vladimir Putin, mas descobri que ele não mora lá.

Pátio central do Kremlin, com vista pras suas catedrais.

No Kremlin, escolhi o ingresso mais básico, de 700RUB (R$44,00), que me dava direito a entrar em todas as igrejas. Falei em outro texto que as igrejas ortodoxas russas são lindas. Mesmo tendo várias em Moscou que dá pra conhecer de graça, ver as do Kremlin valeu e dá uma sensação de dever cumprido – eu voltaria pro Brasil com um buraco no peito se não tivesse entrado no Kremlin (palavra que significa “fortaleza”). Há ingressos mais caros, com permissão a acessar outros prédios. A área que se pode circular não é grande e tem vários assentos disponíveis, então é um passeio que não te cansa. Ao se locomover entre os edifícios, vá sempre pela calçada. Se você colocar UM pé na rua, ouvirá o apito de um guarda. Pros chineses, essa regra não parecia estar muito clara no dia que eu fui, porque toda vez que eu escutava um apito era porque um chinês estava na rua.

Casa Presidencial do Kremlin, visto do outro lado
do Rio Moscou. 

No dia que fui ao Kremlin, meio que por sorte entrei no Armory Chamber – um prédio mais interessante do que as igrejas. Vi umas pessoas saindo de uma porta e resolvi entrar lá pra ver o que era. Fui seguindo na contra mão e, quando percebi, estava no Armory Chamber (sem ter pagado). Já que estava lá dentro mesmo, resolvi aproveitar pra conhecer. A sala das carruagens foi o que me deixou mais impactado de tudo o que conheci no Kremlin. Além dos detalhes da madeira esculpida e dos tecidos, descobrir que eles ainda pensavam em fazer carruagens para as crianças foi engraçado/estranho.

Parque Izmailovsky (Kremlin falso).

Falando em Kremlin, tem um outro no Izmailovsky Park (aliás, outra estação de metrô também belíssima, mas que não é a mais próxima do parque). Também chamam o Ismailovsky de Falso Kremlin, construído em 2007. Este é o lugar pra se comprar lembrancinhas. Não gaste seu dinheiro em outro ponto. Lá você encontra de tudo e mais barato do que nos outros lugares de Moscou, mas a feira só funciona aos fins de semana. Fui um ano depois da Copa e ainda estavam vendendo camisas e outros objetos temáticos do Mundial de 2018. Além disso, este Kremlin não é pago e eu ainda tive a sorte de estar acontecendo um festival folclórico argentino, então assisti a apresentações musicais sem gastar um real, quer dizer, um rublo.

Feira de Artesanatos do Izmailovsky:
somente aos fins de semana.

Fiz isso tudo sem falar russo, acreditando no faro, no contexto, e no pouco que sei ler no alfabeto cirílico. Mas aquela história de ir pelo visual na hora de escolher a comida nem sempre funciona. Eu vi numa vitrine uma torta que me parecia deliciosa. Pedi uma fatia, ansioso pra abocanhá-la. Assim que pus na boca, senti o gosto amargo do fígado, e a única coisa que não como no mundo são miúdos. O gosto ficou pior quando pensei no prejuízo de uns R$15,00 por uma coisa que, nem com fome, eu conseguiria comer. Se tivesse aprendido como dizer fígado em russo, isso não teria acontecido. Ainda não sei como se diz, mas, quando voltar pra Rússia, aprendo.


R$26,00 o kilo da manga.

Preços de junho de 2019:

Ingresso na milonga (baile de tango) Soul Loft ou do Parque Katerininsky – 300RUB (R$19,00)

Almoço no Restaurante Mumu (em frente ao Jardim de Alexander) pra duas pessoas – 1400RUB (R$88,00)

Museu da História Moderna de Moscou: eu gastei duas horas só no segundo piso. Vá com tempo, porque vale a pena. Não me lembro do valor da entrada.

Museu do Cosmonauta – 500RUB (R$32,00), não entrei.

Ópera “Dom Carlos”, no Teatro Bolshoi – 2574RUB (R$160,00).