Ian guest, músico e amigo
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Alunos da Escola Estadual Clemente Pinto, em Caxias do Sul |
Quando a sugestão acima me foi dada, fiquei muito a fim de realizá-la.
Aí, no início deste mês, a minha amiga Gisele me perguntou se eu gostaria de
dar uma palestra aos seus alunos do 9º ano sobre a minha viagem aos
Estados Unidos. Aceitei o convite e, poucos dias antes, ela me disse que eles já
estavam loucos com a “aula diferente” que teriam. Ian tinha razão. Eu também me
sentia entusiasmado por haver pessoas tão interessadas em conhecer uma história
minha, comigo falando cara-a-cara. Agora eu poderia acompanhar a reação deles
ao ouvirem minha história. Se riam, se se emocionavam, se ficavam
entediados, todas essas sensações eu também tinha ao mesmo tempo, diferente do agora,
em que meus dedos tocam o teclado e a única reação que recebem são as das
linhas que são geradas no documento Word, enquanto abro e fecho mil abas no
Internet Explorer, e revejo fotos da viagem, como chocolate, faço mil coisas ao
mesmo tempo, sem dar a devida atenção a uma delas direito.
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Trabalhar em outro país, num lugar com uma visão dessa, foi a realização de um sonho. |
Foram seis meses de preparação
para a viagem de intercâmbio. Em janeiro de 2008, eu só sabia que iria
trabalhar em algum acampamento como monitor de crianças, mas não sabia onde.
Aguardava a resposta da funcionária do YMCA que me recrutou, Rizzia Froes (rfroesymca@hotmail.com), enquanto
corria atrás de fazer meu passaporte e dos documentos para apresentar na
entrevista do consulado. Devido ao grande número de brasileiros ilegais nos
Estados Unidos, os americanos acham que quase todo mundo que vai pra lá não
quer voltar mais, por isso, na entrevista do visto, apresente o maior número de
documentos que provem seu vínculo com o Brasil. Os melhores são: registros de
imóvel e/ou veículo em seu nome; carteira assinada; matrícula em universidade;
extrato de uma poupança bem gorda. Consegui o meu visto na minha primeira ida
ao consulado acredito que por ser estudante universitário na época e de ter boa
fluência em inglês. Isso tudo feito, era só comprar a passagem rumo ao
acampamento Frost Valley, em Claryville, a 120 milhas de Nova York. “Tá bom, e
quanto é isso em quilômetros?” Sei lá, uns 180... Ih, nem tinha embarcado e já
estava tendo problemas com as diferenças culturais...
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Catch the frog! |
Teve uma diferença cultural que
foi ótima pra mim, uma brincadeira chamada caça
ao sapo. Íamos com as crianças para o poço e usávamos uma rede ou a mão
mesmo para pegar os sapos, girinos e salamandras. Eu, que sempre tive medo de
sapo (acho que por causa da minha mãe, que sempre se esguelava quando via um),
me achei ridículo tendo nojo do bichinho enquanto todas aquelas crianças
trocavam carícias com eles. Mudando de saco pra mala, digo que outra diferença
legal foi experimentar empanado de frango com mel e colocar chocolate granulado
no meu sanduíche.
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O primeiro grupo de meninos que monitorei |
Na época, há exatamente quatro
anos, gastei por volta de R$3.200,00 com esse intercâmbio. Considerando desde o
cafezinho que tomei em Belo Horizonte quando fui fazer o passaporte, anotando as
taxas de consulado e até a passagem aérea de ida e volta São Paulo – Nova York,
que foi US$700,00. Pelo meu trabalho de dois meses e uma semana tomando conta
dos anjinhos, recebi US$1.500,00, na época, uns R$2.500,00, mas gastei quase
tudo nas três semanas seguintes ao fim do trabalho, conhecendo a região
nordeste americana. Até hoje eu não conheço um programa de intercâmbio mais
barato do que esse da YMCA.
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Primeira noite em Nova York, na Times Square, com gente até da Tunísia. |
Onze horas de voo para chegar a
Nova York, ao albergue da YMCA, e conhecer gente do mundo inteiro. Cheguei a
Nova York dois dias antes do que me pediram só pra dar uma voltinha pela 5ª
avenida de Manhattan. “Alô, chics!”. Se eu tinha sido pobre algum dia, meu
filho, a essa altura eu já nem lembrava. Na verdade, a única coisa que comprei
foi uma câmera digital, que tenho até hoje e que foi bem mais barata do que se
tivesse comprado no Brasil. Uma funcionária de Frost Valley (FV) foi a Nova
York buscar a mim, e ainda César, Leonardo, Geoffroy e Gary, do Paraguai,
Chile, França e África do Sul, respectivamente. Esses já seriam os meus
melhores amigos no acampamento. Fui chegando a FV e já ficando louco e cansado
daquele povo todo só falando inglês comigo 24 horas. Ainda bem que lá havia
Natália e Rodolfo, dois brasileiros pra descansar um pouquinho em português, e
ainda bem também que eles eram salva-vidas, então não passávamos muito tempo
juntos. Senão, a tentativa de imersão em inglês seria frustrada no fim das
contas. Já me bastou a frustração das duas primeiras semanas vivendo lá. Eu não entendia quase nada do que falavam comigo e pensava: "Eu passei mais de dez anos da minha vida estudando inglês... PRA QUÊ?".
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No treinamento, deviam ter nos ensinado a organizar nossas gavetas. |
A primeira semana foi de
treinamento. Recomendações do tipo “jamais ficar sozinho com uma criança, para
que não surja suspeita alguma de agressão ou pedofilia”, além de ideias de
jogos, dinâmicas, brincadeiras para fazermos com eles. FV recebe crianças dos 5
aos 15 anos, além de pessoas com deficiência. Responsáveis pelos meninos de 10
e 11 anos estavávamos nós abaixo, sendo eu o único brasileiro:
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Dave, Ben, Mike, Tom, Trevor, Mike, eu, Allan e Brad. |
Infelizmente, não foi grande a
empatia com essa turma. Jamais tivemos qualquer problema, mas, não sei se pela
idade ou pela condição semelhante, minha amizade foi bem maior com os
funcionários estrangeiros. Até hoje mantemos contato. Saímos várias vezes
juntos, inclusive pra Nova York, nos nossos dias de folga, um por semana. Nos outros
seis dias, a rotina dos monitores era:
7h45 – hasteamento de bandeira. Todos os dias, enquanto hasteavam a
bandeira dos EUA, elogiavam alguém e repetiam: “Juro fidelidade à bandeira dos
Estados Unidos da América e à república que ela representa – uma Nação, abaixo
de Deus, indivisível e com liberdade e justiça para todos”.
8h – café da manhã. Batatas, ovos mexidos, salsichas gordurosas já chegavam chegando no estômago;
9h – Jogos esportivos, incapazes de queimar as calorias do café da
manhã. Nada era;
10h30 – atividades aquáticas (natação, passeio de barco, caiaque);
12h – almoço. Cachorro quente, pizza, sanduíche de geleia de uva com
amendoim e uma saladinha ali no canto, do lado da cesta de frutas. Arroz e
feijão eram só uma vez na semana, normalmente quando tinha arroz não tinha
feijão e vice-versa, sendo que este era meio sem sal, nenhum brasileiro iria
gostar;
13h – hora do descanso. 60 minutos para as calorias impregnarem no
nosso abdômen. As crianças tomavam um banhozinho (quaaando tomavam) ou se
divertiam à sua maneira, tipo, atirando com uma arma de brinquedo no olho do monitor brasileiro que
tomava conta deles.
14h – specialties, ou
especializações: uma aula de kung-fu, fotografia, culinária, ioga – as crianças
escolhiam o que fazer. Eu ministrei um curso de kung-fu por duas semanas, foi
quase uma zona;
17h30 – jantar. tão calórico quanto as outras refeições;
18h – hora do descanso;
19h – atividade noturna: fogueira, festa dançante, vídeo, performance
teatral;
21h – devotion: com as luzes
apagadas e as crianças deitadas, conversávamos sobre quaisquer coisas que
viessem à nossa cabeça, e fizesse os anjinhos sonharem com outros anjinhos.
Daí, tínhamos de esperar duas
horas para ter certeza de que todos estávamos dormindo. Só às 23h podíamos
sair, mas precisávamos nos recolher à 1h. Mas só dava pra ficar andando pelo
acampamento mesmo, porque a cidade mais próxima, Claryville, estava a 11 km e
não tinha nada. O que nos restava, além de fumar maconha e fazer sexo nos escuros
arbustos? Comer sorvete! Não bastassem as gorduras hidrogenadas e trans das
refeições normais, imagine, todos os dias, um balde de sorvete a sua
disposição, com marshmallows, bolinhas de chocolate e cobertura! Foi por isso
que engordei horrores. Americano não sabe comer bem. Talvez por isso também
eles tinham uma aparência de velhos. Havia várias pessoas que eu tinha certeza
de que eram uns dez anos mais velhas do que eu, mas anos depois eu viria a
descobrir que eram mais novas. Várias meninas de 17 aparentavam ter 25 e isso
não era uma impressão só minha. Natália e Rodolfo, os outros brasileiros que
conheci lá, tinham a mesma impressão, a de que eles envelhecem rápido. Será
pela alimentação ou uma característica da raça mesmo?
Numa noite, nós três tivemos a
oportunidade de falar sobre nosso país pras crianças. Uma das atividades da
turma foi um tour pelo acampamento e pelo mundo. Todos os funcionários
estrangeiros fizeram uma espécie de estande em que exibiam coisas do seu país e
conversavam com as crianças sobre a cultura, geografia e tudo mais. O que as
crianças sabiam do Brasil é do nosso futebol, todas conheciam Ronaldo Fenômeno.
E algumas até achavam que a capital era Rio de Janeiro ou Buenos Aires e que
falávamos espanhol. Espero que não continuem pensando assim depois dos 15 anos
de idade.
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Falando do Brasil para as crianças americanas. |
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Os melhores colegas. Da esquerda pra direita, Chile, Hungria, Turquia, Brasil, Hungria, França, Colômbia, Paraguai e Colômbia. |
Como você reagiria se alguém te
acordasse no meio da madrugada com uma lanterna na sua cara e um biscoito na
sua boca, sussurrando: “Come o biscoito! Anda! Come o biscoito!”. Era isso que
nós fazíamos com os meninos que monitorávamos. As reações eram as mais
diversas. E a zoação continuava no dia seguinte, quando eles nos contavam o que
tinha acontecido e nós respondíamos com “Relaxa, tudo não passa de um sonho”. Na
verdade, acho melhor eu desmentir isso e dizer que nunca aconteceu, mesmo que
vocês descubram o vídeo que coloquei no youtube disso. O outro trote que passávamos
neles na madrugada eu já não vejo problema em mostrar as imagens pra vocês.
Entrávamos silenciosamente na cabana deles, e, de uma só vez, ligávamos o som
no mais alto volume e piscávamos as lâmpadas, gritando, como se estivéssemos em
uma boate. Desligávamos tudo de uma só vez e desaparecíamos. Isso tudo era muito pouco se
comparado às brigas que tínhamos de se separar, às teimosias por não nos verem
como autoridade, aos choros de “saudades da minha mãe”, aos cocôs nas calças,
aos vômitos no carpete do quarto, aos atrasos pra ir pras refeições. O mesmo
gostinho da vingança que sentia quando pregávamos essas peças neles, eu senti
quando um vírus surgiu no acampamento. Ninguém sabia o porquê daquilo, mas
várias pessoas, não somente as crianças, tinham diarreia e vômito e foram
isoladas do grupo. Foram para a quarentena e passaram boa parte das férias
isoladas numa outra cabana, jogando vídeo game e assistindo a filmes. Se o
estado era mais crítico, ficavam na enfermaria. Eu me divertia muito em ver
como os outros, os que estavam bem de saúde, ficavam paranoicos. Se alguém
encostava neles, diziam em tom imperativo: “Não me toque!”. Acho que foi o
terrorismo que deixou os americanos tão paranoicos com tudo. De vez em quando
eu penso que o vírus no acampamento pode ter sido pela falta de higiene. Eu me
sinto péssimo em dizer isto, mas admito que achei foi bom. Assim, eram menos
crianças para eu cuidar. Também ajudou a criar uma proximidade com o meu grupo
de crianças favorito, que vocês podem ver no vídeo abaixo.
A graça não estava só em sacanear
as crianças. Nathália, Rodolfo e eu gostávamos de falar mal das pessoas que
estavam ao nosso lado. Elas não entendiam português mesmo...
A única doença que me pegou foi a
“Homesickness”: essa era a palavra para definir o sentimento de sentir falta de
casa. Eu tentava curar passando tempo na internet, escrevendo pra minha família
e amigos, vendo as fotos de quem eu tinha deixado pra trás. Normal, porque era
a primeira vez que eu ficava tanto tempo longe de casa. Hoje, fico quase um ano
e não sofro tanto. Relendo meus relatos, penso em como eu aproveitaria muito
mais se eu repetisse essa viagem hoje. Gosto mais de ver as palavras de
incentivo que recebi de volta. Copiei e colei aqui, com erros de português e
tudo, os emails-resposta de três amigas:
“sempre, aqui o povo acha
estranho eu passar manteiga no pao para comer, ou seja para eles o queijo
substitue a margarina. para nos tem de ser margarina, queijo e o presunto
OXENTE
Acham estranho eu nao comer carne crua (linguica, carne mal passada de tudo... que ate passo mal etc e tal) carne de porco crua.... mas eles ainda acham que eu nao sou normal.... quando nao comem a barra de chocolate pura, quebram (com classe) uma baguete colocam um pedaco da barra de chocolate dentro e depois levam ao microondas. fala serio. e vc que olha isso tudo sem entender nada. Minha maior vergonha foi dia que comprei um pacote de batata frita e sai na rua comendo. em menos de um minuto todo mundo que passava dizia que aquilo nao era bom. nao sabia se o tipo de batata que comprei nao era bom ou se comer ruffles nao era bom. entrei no cabelereiro com um pacote de batata na mao e ele tentou me convencer a parar de comer. A batata era minha, comi ate o fim. depois patrick explicou que aqui, batata frita, amendoin, caju sao coisas que so se bilisca com um aperitivo. nao 'e para matar a fome, muito menos nao se come com olho gordo. Rsrs. Quem disse que ruffles tem que se comer a noite? no brasil vc come batata frita toda vez que entra em um onibus, ate mesmo para ir a bh, faz parte do kit voyage. aqui ja faz 9 meses que nao como feijao. sabe que eu encontrei na feira aqui. carlinhos Brown. No brasil nunca vi o homem aqui ele balada na feira. perguntei se ele estava perdido, porque no Brasil quem ja viu Mrs. Brown na feira? euzinha aqui so dando risada, dando gracas a Deus de nao ter pago 50 euros para ver o show de Brown, o melhor mesmo foi ter encontrado ele na feira enquanto eu rasgava uma baguete seca no dente e limpava a mao na roupa.” Janilza
Acham estranho eu nao comer carne crua (linguica, carne mal passada de tudo... que ate passo mal etc e tal) carne de porco crua.... mas eles ainda acham que eu nao sou normal.... quando nao comem a barra de chocolate pura, quebram (com classe) uma baguete colocam um pedaco da barra de chocolate dentro e depois levam ao microondas. fala serio. e vc que olha isso tudo sem entender nada. Minha maior vergonha foi dia que comprei um pacote de batata frita e sai na rua comendo. em menos de um minuto todo mundo que passava dizia que aquilo nao era bom. nao sabia se o tipo de batata que comprei nao era bom ou se comer ruffles nao era bom. entrei no cabelereiro com um pacote de batata na mao e ele tentou me convencer a parar de comer. A batata era minha, comi ate o fim. depois patrick explicou que aqui, batata frita, amendoin, caju sao coisas que so se bilisca com um aperitivo. nao 'e para matar a fome, muito menos nao se come com olho gordo. Rsrs. Quem disse que ruffles tem que se comer a noite? no brasil vc come batata frita toda vez que entra em um onibus, ate mesmo para ir a bh, faz parte do kit voyage. aqui ja faz 9 meses que nao como feijao. sabe que eu encontrei na feira aqui. carlinhos Brown. No brasil nunca vi o homem aqui ele balada na feira. perguntei se ele estava perdido, porque no Brasil quem ja viu Mrs. Brown na feira? euzinha aqui so dando risada, dando gracas a Deus de nao ter pago 50 euros para ver o show de Brown, o melhor mesmo foi ter encontrado ele na feira enquanto eu rasgava uma baguete seca no dente e limpava a mao na roupa.” Janilza
“Quero morar ai! Imagina! Banho
dia sim dia não e escovar os dentes quase nunca!!! Amei!!! Kkkkkkkkkkkkkk” Sâmia
“Hello, forasteiro!!! Imagino sua
dificuldade e bem feito, tava achando que ia ser fácil eh? Naum é novela da
Globo naum, e vc naum é a Sol de América, que aprendeu inglês por osmose, táh!?
Mas aqui, tenho certeza que qdo menos esperar jah vai estar entendendo tudo
como se jah tivesse nascido um lord britânico!!! Mas claro, só ouvindo neh.. pq
pra vc se tornar um lord vc teria q no mínimom nascer de novo! Rsrsrsrsrs. Fica
com Deus aí, pq todo mundo aqui torce por vc viu!!!” Danielle
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Christine, amizade que continua apesar da distância. |
Quando criei este blog, era pra
me sentir bem ao compartilhar das minhas viagens com meus amigos e família, mas
falar de uma viagem praquela turminha e acompanhar as reações deles foi muito
mais prazeroso do que escrever no Rodano
mundo. Mas, no blog, é mais fácil contar as coisas. No texto A internet e a roda, Carlos Heitor Cony
diz: “Embora me utilize da internet diariamente, continuo achando que ela é
poluidora, não no sentido ecológico, mas espiritual. Dá informações demais,
excessivas, inúteis e redundantes. Mesmo a comunicação por e-mail, que aboliu o
fax, o telegrama e a carta postal, transformou-se numa correspondência cultural
e afetiva maciça, e nem sempre sincera, refletida e consciente”.
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