quinta-feira, 1 de dezembro de 2022

Conflito

 "Frio é psicológico."

Ditado mais ou menos verdade e mais ou menos mentira.

Rio Angara – Irkutsk

A primeira cidade russa que conheci, Irkutsk, está a beira do Rio Angara, a 70km do Lago Baikal e a 447 km da fronteira com a Mongólia. Metade do ano a temperatura é negativa, mas, em maio de 2019, quando lá estive, o máximo que fiz foi colocar um agasalho à noite, e, às vezes, de dia. Era final da primavera, então, até mesmo pra brasileiros a sensação térmica estava agradável.

Cartaz avisando pra gente tomar 
cuidado com batedores de carteira.

Meu primeiro dia em solo russo já começou levando um golpe de taxista. Ele me abordou logo na saída da estação de trem e eu aceitei que ele me levasse pro hotel. Ao entrar no carro, perguntei sobre o taxímetro e ele disse que era um aplicativo de celular. Pensei “Ok. Na Rússia deve ser diferente”, mas, durante o trajeto, eu olhava pra tela do aparelho e não via o valor, apenas o mapa. Ao fim do percurso de 2km, o homem me mostra o telefone e diz “1.384RUB”. Eu pensei “R$86,00 por 2km?”. Percebendo a minha incredulidade, ele disse “Ok. Pague 1.000RUB”. Aproveitando que ele me deixou na porta do hotel, pedi a ele pra esperar, entrei no hotel e perguntei à recepcionista: “Você acha normal uma corrida da estação de trem até aqui custar 1.384RUB?”. Com os olhos arregalados ela me respondeu que não. Voltei, entreguei a ele uma nota de 500RUB dizendo que pagaria só aquilo e pronto. Tempos depois, lendo um folheto turístico da cidade, mais uma prova de que realmente ele tentou me enganar. Lá dizia pra se tomar muito cuidado com “private taxis” porque costumam dar golpes, e que nenhuma corrida dentro da cidade custa mais do que 500RUB. Ainda bem que pensei rápido e não levei um prejuízo maior. Mas me parece que esse não é o único golpe que costumam aplicar por lá. A gente, como turista, precisa achar o equilíbrio entre confiar nas pessoas, relaxar e aproveitar; e estar atento. Esse tipo de sentimento dúbio faz parte de quase toda viagem internacional.



  

 

Igreja de Nosso Salvador.

Essa decepção inicial foi compensada com a beleza de onde eu estava. O hotel onde fiquei era perto do monumento Eternal Fire (Fogo Eterno), que homenageia os soldados siberianos que lutaram contra os nazistas na Segunda Guerra Mundial. Ele está ao lado da Igreja de Nosso Salvador (Spasskaya Church), de estilo barroco siberiano, que, por sua vez, está ao lado da Igreja da Epifania (Epiphany Cathedral), perto do Salão do Órgão (que também é uma antiga igreja), ao lado da Praça Kirov e das margens do Rio Angara, lugar ótimo pra ver o pôr do sol. À sua borda, um longo calçadão, um grande portal e uma estátua em homenagem aos fundadores de Irkutsk. Com tantos pontos importantes juntos e tanta beleza, esse foi o cantinho da cidade onde eu mais gostei de ficar. Naquela tarde comprei uns pães e umas geleias e me sentei à beira do rio pra fazer um lanche. Voltei pro hotel só depois que anoiteceu, às 22h. Sim, no fim da primavera siberiana, o sol se põe por volta das 21h.

Monumento do Fogo Eterno e Igreja de Nosso Salvador

Monumento do Fogo Eterno.

Ainda nesse dia de caminhada pela região, eu vi que um palco estava sendo montado e me aproximei pra perguntar sobre que evento aconteceria. Falaram que era pra comemorar o aniversário da cidade e que a festa seria no dia 1/6 (embora o aniversário seja em 6/6). Pena que eu já tinha passagem de trem comprada pra Ecaterimburgo justamente pra esse dia e achei que seria muito trabalhoso ter de remarcar tudo. Foi uma pena que eu não tinha me informado dessa festa antes.

No segundo dia, foi a saga de trocar meus yuans (moeda da China) e mongóis (moeda da Mongólia) por rublos, porque eu tinha passado por outros países antes. Pena que nenhum banco quis trocar os mongóis. Pelo menos foi uma caminhada que serviu pra ir vendo melhor a cidade. Em Irkutsk as casas e vários prédios são de madeira com detalhes esculpidos nas fachadas e nos telhados. Os antigos carpinteiros realmente tinham as mãos muito habilidosas e, em cada construção, você vê artes e adornos diferentes, principalmente quando olhar pras janelas. Pra conhecer o interior de uma, vá ao Museu da Vida Cotidiana de Irkutsk (Museum of Irkutsk Everyday Life). Dentre vários outros museus, destaco o Museu do Chá (Tea Museum), pois a cidade já foi um polo importante na produção de chá. Os dois estão no mesmo complexo, onde está também o centro de informações turísticas. Depois de tirar da funcionária toda informação possível, finalmente fui conhecer o grande lago Baikal.

Chegando a Listvyanka, cidade vizinha a Irkutsk.


A 70km de Irkust está Listvyanka, cidade que margeia o Lago Baikal por 5km. A margem toda do Baikal é de 2.100km, e 20% da água doce do mundo inteiro está lá, fazendo dele o maior do mundo em profundidade. Se você estiver de trem, vindo da Mongólia, como foi o meu caso, grande parte do trajeto final será feito margeando o Baikal, então você já o conhecerá um pouco e verá o quão espetacular ele é. É no mercado de Irkutsk que estão vários motoristas de van que te levam até o lago. Aproveitei pra comprar umas cerejas e ir comendo no caminho. Foi só eu chegar que a van já encheu e partimos, não só cheia de turistas, mas de gente local também. Engraçado que os veículos de lá podem ter o volante tanto do lado esquerdo quanto do direito, mas todo mundo dirige do lado direito da estrada, como nós. O trajeto leva uma hora e muita gente desce ou sobe nesse meio tempo. Eu desci na entrada de Listvyanka, porque assim eu pude conhecer melhor a cidade e o lago. É evidente como a sensação térmica é menor quando se chega lá. Eu pensei que eu nadaria no lago quando o visse, mas, ao colocar a mão na água e lavar o rosto, perdi a coragem.

 

Nessa caminhada, vi museus, adolescentes corajosos nadando no lago, pessoas se bronzeando, fazendo passeio de barco e uma casa onde se podia pagar 20RUB pra ver um urso caramelo. Paguei, afinal esse é um dos símbolos da Rússia, mas depois me arrependi, porque acabei ficando com dó de o urso estar enjaulado. Não tenho foto porque, pra isso, precisava pagar um pouco a mais. Excursões pelo lago também não paguei porque achei caro 1.000RUB (R$60,00) por meia hora apenas. Depois de uma hora de caminhada bem tranquila, cheguei ao Mercado de Listvyanka, onde vendem o peixe mais gostoso que você comerá na vida, mais gostoso até que salmão, eu garanto. Omul é um peixe típico do Baikal servido frio ou quente. Claro que aproveitam também para vender lembrancinhas russas, como matriôscas (tanto de vovozinhas quanto dos ex-presidentes russos), chaveiros, camisetas e tudo mais.



     

Interior da sinagoga onde me deram
comida de graça.

No terceiro e último dia, peguei um ônibus até o 130th Quarter (130 kvartal), onde tem alguns bons restaurantes. Fui até o Parque Jerusalém (Jerusalem Park), mas não achei bem cuidado. De lá fui até a Sinagoga, uma grande casa de dois andares de madeira, linda como todas as outras. Assisti à reunião e, ao final, uma grande surpresa: me chamaram pro jantar vegetariano deles. Não esperava ser tão bem recebido e ter a chance de experimentar boa comida russa e vodka grátis tão rápido. Que bom que o jeito amável desse grupo de russos compensou aquele outro russo que tentou me dar um golpe. No fim do dia, me abasteci num supermercado, porque eu sairia de trem às 3h37 daquela madrugada, numa jornada de 52 horas até Ecaterimburgo.



 

Os carros podiam ter volante tanto do lado
esquerdo quanto do lado direito.

Alguns preços de maio de 2019

Concerto no Organ Hall – 550RUB – R$35,00

Banheiro público - 20RUB / R$1,25

Ônibus circular – 20RUB

Bonde circular – 15RUB

Museu do Chá e da Vida de Irkustk  - 120RUB / R$8,00

Passagem de trem de Irkutsk a Ecaterimburgo – 10.296RUB / R$644,00 (cabine de 4 pessoas)



Feira de Listvyanka:

Peixe – a partir de 150 RUB / R$10,00

Arroz com cenoura e carne – 80RUB / R$5,00

Coca Cola – 80RUB / R$5,00

Pão – 80RUB

Dica final:

Existe um aplicativo chamado Russian Railways que te mostra os horários de trem e preços e tudo mais sobre os trens da Ferrovia Transiberiana. Eu senti muito medo de fazer a compra pelo aplicativo e acabar me confundindo com fuso horário ou falta de lugar pra imprimir bilhete. Então usava-o só pra ter uma ideia do preço e comprar pessoalmente nas bilheterias das estações, já informando o dia e horário que eu queria. O preço informado pela vendedora era sempre igual ao do aplicativo, então eu me sentia muito mais seguro fazendo essa compra pessoalmente. Mas nem todos os russos falam inglês, e eu ainda não falo russo, então o tradutor do celular estava sempre presente nessas conversas. Como eu já tinha parado em Pequim (China) e Ulan Baator (Mongólia) também viajando de trem, em Irkutski já resolvi fechar as passagens até o fim da Transiberiana (Moscou), aproveitando que a vendedora falava um pouquinho de inglês e era muito paciente e simpática, ao contrário de outras que acabei encontrando depois. Explico também aqui neste vídeo: