sexta-feira, 18 de junho de 2021

Tempo de Viver

"A gente conhece mais um vinho retirando a rolha do que lendo o rótulo."

Frase que vi numa vinícola em Mendoza, Argentina

Ruínas da antiga catedral de Mendoza.

Cinco dias e quatro noites em Mendoza é um tempo suficiente para conhecê-la. É uma cidade fácil de se andar, tranquila, bonita, de arredores belíssimos, e de fazer qualquer um tremer nas bases. Em Mendoza, os abalos sísmicos (eufemismo pra terremoto, pra não assustar os turistas em potencial) são tão frequentes, que nos prédios é comum achar avisos sobre procedimentos de emergência no caso de tremores. Conheci uma mendocina que me disse que ela e seus conhecidos costumam deixar uma mochila preparada com água, alimento não perecível, agasalho, pras ocasiões em que for necessário sair de casa às pressas.

História de terremoto contada no Museu da Origem da Cidade.

No Museu da Origem da Cidade (entrada gratuita) dá pra conhecer mais essas histórias. Eles fazem com você até tour gratuito pelas ruínas da antiga catedral, falando sobre o terremoto de 1861, o de maiores proporções, que deixou muitos mortos e a cidade antiga embaixo de escombros. Por esse motivo, você reparará que a Mendoza de hoje tem calçadas e ruas muitas largas e muitas praças, pois, em caso de precisar correr pra um lugar aberto, sempre haverá um por perto. Nos tempos atuais, esses abalos, quando ocorrem, são leves. Minha amiga mendocina até disse que alguns deles somente os turistas sentem. Os nativos já estão tão acostumados que tem tremores que passam despercebidos. Museu Área Fundacional é o nome que deram a essa parte histórica de museu, praça e ruínas. Logo depois da grande tragédia do século XIX, a cidade foi reconstruída ao redor da nova praça central, chamada Independencia, que está rodeada por outras quatro praças: a Chile, a España, a Italia e a San Martin (quase tudo na Argentina se chama San Martin) e por onde eu te sugiro caminhar, pra esquecer desse e de outros problemas.

Plaza Chile

 

Plaza España.

Depois dessa introdução encorajadora, te conto das excursões que fiz. Foram duas, escolhidas depois de pesquisar bastante por várias agências, todas fáceis de se encontrar pelo centro da cidade. Deve existir algum acordo entre elas, pois várias me apresentaram tarifas idênticas. Alta Montaña foi a excursão mais bonita. No trajeto todo, só se vê pedra praticamente, mas as cores das montanhas e paredões vão variando entre diversos tons de vermelho, amarelo, verde, dourado. Quem é geólogo sabe que é por causa da composição química dos minerais. Mas, pra mim, só interessava contemplar mesmo. Ao chegar a Puente de los Incas o arco-íris de pedra se intensifica. A ponte parece construída pela mão do homem, mas conta-se que ela se formou naturalmente. Durante a excursão, há algumas paradas para fotos, numa delas dá pra avistar o Pico Aconcágua, mas a uns mil quilômetros de distância; outras vezes dá pra se ver uma ferrovia desativada; ou o Rio Mendoza. Também paradas técnicas, como dizem, para lanche e banheiro. Terminamos num mirante na divisa entre Chile e Argentina, em território de uma cidade chamada Cristo Redentor. Só que essa subida pelas estradas “serpenteantes”, como dizem por lá, só é feito no verão. São muitas horas dentro da van, então é um passeio mais contemplativo.

Puente de los Incas.

 

Monumento da divisa entre Chile e Argentina.

Dependendo do tipo de viagem que você estiver fazendo, uma sugestão que deixo aqui seria alugar um carro e partir de Mendoza até Cristo Redentor, pela Rota 7, como eu fiz, mas depois continuar a viagem a Santiago, capital do Chile, já que da fronteira até lá, são 367 quilômetros. Entre no site da RENTCARS e já faz um orçamento.

 

Excursão Alta Montaña.


Quando você for comprar vinho, aqui no Brasil mesmo, repare que há muitas opções de vinhos argentinos na prateleira do supermercado. Desses, muitos vêm de Mendoza, e claro que eu estava bem curioso pra conhecer suas vinícolas (lá chamadas de bodegas), então fiz essa excursão temática. Visitei só quatro das mais de 400, então está aí mais um motivo pra voltar um dia. Baundron foi a primeira e vimos o depósito, algumas adegas, o maquinário com quase todas as etapas de preparação do vinho. A Pasrai (união das palavras "passas" e "raisins"), outra das bodegas, era também azeiteira e acho que foi a primeira vez na vida que vi um pé de azeitona. A degustação de azeites ao final foi a melhor parte, claro. Até comprei um com leve sabor de laranja.


Parreiral
Oliveira

 

Encerramos na Boda Domiciano com uma excelente guia, que nos levou a comer uva direto do parreiral e elas estavam incrivelmente doces. Uma informação que, a princípio, assusta: a grande maioria das vinícolas não lavam as uvas antes de começar o processo de produção de vinho, por vários motivos: ele será muito bem filtrado posteriormente; porque a lavagem faz com que a fruta perca um pouco da sua levedura e do líquido; e porque há milhares de anos os egípcios não lavavam e ninguém morreu por causa disso.

A quarta bodega eu conheci por conta própria. Peguei o trem até Maipu, pequena cidade ali perto. A 300 metros da última estação, está a Lopez. Os passeios seguiam uma espécie de padrão – volta pela fábrica, degustação, loja – mas eu não tinha a sensação de estar sendo repetitivo. Cada lugar tinha seus atrativos. Conheci quatro vinícolas e até conheceria outras mais. Por mais moderna que uma bodega queira ser e talvez até necessite ser, as modernas máquinas de aço inox não têm o mesmo charme dos gigantescos toneis de madeira. Entendo que a produtividade e o caixa da empresa aumentam com os grandes toneis aço inoxidável. Mas, aos olhos do turista, a atmosfera histórica se perde.

 


Prefere qual: toneis de inox ou de madeira?

 

Avenida San Martin

Alguns vinhos argentinos são bem caros, especialmente se tiverem sido premiados. Mas li uma matéria muito interessante numa revista especializada em vinho. O jornalista criticava a lógica capitalista de  o produto dobrar ou triplicar o preço depois de receber um prêmio, mas não repassar o lucro a todos responsáveis pela sua produção, ainda mais que o custo de produção na Argentina é barato.

Mendoza também tem Free Walking Tour e de uma maneira que eu achei bem interessante. São organizados pela prefeitura, duram 2h e saem todos os dias às 19h do Centro de Informações, mas cada noite é um tema. Então, se você ficar lá uma semana, sempre terá um passeio diferente pra fazer a noite e GRÁTIS!

Repare nas amplas avenidas com milhares de árvores dos dois lados das ruas, que vão desenhando túneis por toda a cidade, importantíssimo pra fazer sombra naquele calor de deserto. À beira dos dois lados de todas as ruas também há canais que trazem a água de bem longe, das montanhas, pra aguar todas essas árvores. Cuidado pra não cair em um deles.




Atravessando os grandes portões do Parque San Martin...

 

... para chegar ao Cerro de la Glória.

Vista da cidade e cordilheiras

Cerro de la Gloria é um lugar pra onde todos os turistas vão, e não recomendo ir a pé, mas com aqueles ônibus turísticos de dois andares. Saímos da Peatonal Sarmiento, atravessamos os grandiosos portões do Parque General San Martin, avistando seus lagos, fontes, bosques e o Museu de Ciências Naturais. Por causa do calor intenso, da falta de sombra no Cerro de la Gloria, e pelo fato de o ônibus ser bem aberto e permitir com que víssemos tudo muito bem, não desci quando cheguei ao alto, mas acho que seria ótimo ter uma taça de um espumante mendocino e ficar uma hora olhando as montanhas. Na descida, avistamos o teatro grego, onde acontece anualmente a grande Festa Nacional da Vindima.

Nas horas livres, quando eu não estava metido em alguma excursão, caminhava pela Peatonal (calçadão) Sarmiento. Só tome cuidado ao se sentar nos cafés, pra não se apoiar ou sentar em cima de algum cocô de pombo. Observei alguns protestos e pichações contra um tal de FRAC. Entendi que era alguma empresa de extração de água que usa um método considerado invasivo. Mendoza é praticamente um deserto, e falta água com frequência, mas, mesmo assim, a aparente “solução” que essa empresa apresentava para a falta de água estava revoltando algumas pessoas.

Um guia me disse que chove muito pouco na cidade, e aí eu me considerei sortudo, pois das quatro noites que dormi lá, duas choveram. E não senti nenhum terremoto.

 

Gastos de janeiro de 2020, época em que um real valia entre 17 e 18 pesos:

Voo de BUA a Mendoza pela Norwegian: não lembro.

Táxi do aeroporto até o centro – 11km: ARS$320,00.

Excursões Caminhos do Vinho e Alta Montanha: ARS$2.300,00 por pessoa, pela Varietal Turismo.

Pacote de 100g de uvas passas recheadas com chocolate Pasrai: ARS$120,00.

Frasco pequeno de azeite com laranja Parai: ARS$270,00.

Empanada na Bodega Baudron: ARS$40,00.

Café da manhã numa lancheria em Uspallata: ARS$350,00 por duas medialunas (pão de massa folhada), um café e duas torradas com queijo.

Almoço em Cristo Redentor: ARS$480,00.

O comércio tem um horário de funcionamento diferente: fecham às 13h, para la siesta. Reabrem às 17h e fecham novamente às 21h ou às 22h.

Passeio no ônibus turístico de dois andares pela cidade: ARS$600,00.

O cartão SUBE, de BUA, não funciona em Mendoza. O sistema lá é cartão RED, fácil de se conseguir em quase qualquer kioko (mercado).

À noite, vá fazer uma aulinha grátis de tango num coreto a céu aberto. O Balcón de Tango é um projeto antigo da prefeitura e acontece todo domingo à noite: aula + milonga todos os domingos das 21h às 23h.

Ônibus da empresa Urquiza de Mendoza a Córdoba: ARS$3000,00, 9 horas de viagem.