quarta-feira, 1 de abril de 2020

Liberdade, Liberdade


"Como diz em Minas Gerais: 'a política brasileira precisa melhorar um pouco, uai'." 
Gil Nunes

Centro histórico de São João visto do Museu Regional

Falar de São João del Rey é falar de política e resistência. Guerra das Emboabas e Inconfidência Mineira são fatos de Minas Gerais que aconteceram justamente por ali. Então, para se conhecer um pouco mais a história de Minas, um fim de semana em São João Del Rei é muito importante. A cidade é repleta de museus, que nos ajudam a compreender um pouco da política nacional, desde o ciclo do ouro, até nossa história contemporânea, pós ditadura. Há museus de diversos tipos, e com diferentes recortes cronológicos: o Museu Regional de São João Del Rey conta um pouco sobre a religiosidade e costumes da época do Ciclo do Ouro (século XVIII); o da FEB (Força Expedicionária Brasileira) é sobre o período das duas grandes guerras; e o Museu Tancredo Neves (R$2,00), que nos situa nos últimos anos da ditadura e primeiros anos da nova democracia, ao falar do presidente eleito em 1985 e que morreu antes de tomar posse.

Museu Regional de São João del Rei
A Inconfidência Mineira foi um movimento social brasileiro contra o domínio português. Joaquim José da Silva Xavier (Tiradentes) foi o líder da revolta. Devido a altas taxas de impostos que se devia pagar à Coroa Portuguesa e outros abusos políticos, os inconfidentes agiam contra a opressão do governo português, mas, logicamente, visando interesses pessoais também (eu, particularmente, acho que qualquer ser humano faz isso), mas não falarei mais sobre isso e deixarei pra você ter sua aula de história in loco. São poucas as  pessoas que têm opiniões controversas sobre Tiradentes e que acham que ele agiu visando apenas interesse particular. O Museu Regional é um prédio histórico que só está de pé porque o Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN) iniciou o processo de tombamento antes que os proprietários levassem a cabo a ideia de demoli-lo para construir um prédio moderno de 12 andares e uma rodoviária ao lado. Só que, quando eu visitei, vi que o prédio é quase todo reconstruído mesmo. Acho até falso falar que é uma casa antiga. Pra mim, é uma casa contemporânea, com fundação antiga, e que imita o visual de uma casa que havia ali. O próprio passar do tempo foi derrubando muita coisa do prédio e não faz muito que foi revitalizado. Seu acervo é composto de imagens sacras, pinturas, mobiliário, meios de transporte, ferramentas de trabalho e outros objetos testemunhas da vida mineira nos séculos XVIII e XIX. O Museu está fechado agora devido a obras e só deve reabrir no segundo semestre do ano. O horário de funcionamento era de terça a sexta das 9h às 18h, e das 9h às 16h aos sábados e domingos.


Catedral Basílica
Quase o mesmo posso dizer do Centro Cultural da Universidade Federal de São João Del Rey (UFSJ), um local de exposições temporárias com temas de interesse da comunidade local. É uma parada para dez minutos ou menos depois de visitar as igrejas da redondeza ou o Museu do Cardeal Dom Lucas Moreira Neves (familiar esse sobrenome? Sim, era primo de terceiro grau de Tancredo Neves). Dom Lucas, na verdade, não se chamava Dom Lucas, assim como Papa Francisco não se chama Francisco. Quando ficam mais famosos e importantes, os padres também adotam um nome “artístico”. O Museu possui objetos pessoais e vestimentas que ele usava em celebrações. Foi muito influente na igreja católica e chegou até a ser amigo pessoal do Papa João Paulo II. A visita é acompanhada pelo recepcionista local, que me ajudou a entender vários termos católicos que até então eram bem confusos pra mim. Na frente está a Igreja Nossa Senhora do Pilar, ou simplesmente, a Catedral.

Rua Direita
Quase tudo o que expliquei no parágrafo anterior e neste é o que você visita em apenas uma rua, a Getúlio Vargas – ou Rua Direita. Nas cidades históricas de Minas Gerais, sempre há uma rua Direita, localizada à direita da igreja principal, mas São João não segue essa regra. Numa das pontas da rua está a Igreja Nossa Senhora do Carmo, uma das mais bonitas, que possui ao lado um cemitério de mesmo nome que é um dos poucos do Brasil que é coberto. O Museu de Arte Sacra é o mais caro da cidade, R$15,00, mas a maioria é gratuito. Então, com uma caminhada de poucos metros, já se conhece as principais edificações católicas da cidade. Chamo a atenção que algumas igrejas têm apenas a porta lateral aberta, então, quando for visitá-las e vir a porta frontal fechada, não volte. Dê uma olhada na lateral. Ao fim da rua, à direita da Igreja Nossa Senhora do Rosário, começa a Rua das Casas Tortas. Tem-se a impressão de que a parede frontal das casas (só duas na verdade) está desabando. 

Casa Torta de verdade mesmo tem em Bichinho, pertinho de Tiradentes.
Falando ainda em Rua Direita, minha recomendação gastronômica é o pão de ricota com uva passas da Padaria do Carmo, que é simples e barata, mas justamente esse ar de simplicidade de tudo é que deu a ela o ar interessante que tem. Se tiver tomado café no hotel, visite-a no café da tarde. Achei curioso o pote de manteiga ficar disponível em cima da mesa pra você passar à vontade no pão quentinho que acabou de comprar. Se prefere algo mais sofisticado, caro e com wi-fi, a Taberna do Omar é ao lado e seu pão de chocolate é maravilhoso.

Uma das pontes que passa sobre o córrego do Centro histórico.

Continuamos no centro histórico, mas agora do outro lado do córrego do Lenheiro, “filete” de água que corta a cidade. Na Praça Frei Orlando estão a Igreja de São Francisco; um dos campus da UFSJ (Universidade Federal de São João Del Rei,); e a Secretaria de Cultura, que é também museu de objetos antigos, como ferramentas e utensílios domésticos. No piso de baixo, lojas de artesanato com preços em conta. Ali perto, por R$4,00 temos um pouco de história contemporânea também, contada no Memorial Tancredo Neves. Por último, na antiga estação ferroviária de São João, o Museu Ferroviário possui vagões antigos e outras peças que fizeram a história da estação. Todos esses locais que cito são tão próximos uns dos outros, que é fácil encontrar alguém na rua que te explique onde ficam. Nem precisa muito de mapa.

O Mercado Municipal de SJDR é algo sobre o qual é bom não criar grande expectativa. Qualquer feira de rua de qualquer cidade tem mais coisas que ali. São apenas dois corredores de lojas/barracas que vendem o comum da culinária mineira. Queijos e doces são os itens mais presentes. Na hora do almoço, o sabor mineiro se realça mesmo é em Tiradentes e Bichinho, que ficam "do lado", bem perto mesmo de São João, onde os restaurantes parecem ser as antigas casas dos moradores e que estes adaptaram o local para servir. Muitos têm sua horta no quintal do fundo, então parece mesmo que se está comendo uma refeição preparada especialmente pra você, como se sua mãe ou vó estivesse fazendo. Outros já são mais curiosos, como a Casa Torta, no vilarejo de Bichinho, que já pertenceu a Tiradentes, mas que hoje é distrito de Prado. Quem visita Minas tem uma opinião unânime sobre a culinária: a singularidade do sabor, mesmo nas coisas mais simples.


Velozes e Furiosos.
 A parte de turismo de aventura de São João fica por conta da Pousada Kart Club, onde se pode dar dez voltas de kart por R$25,00 na pista privada deles. Se preferir uma Estrada Real (entendeu o trocadilho?) continue a 10 km dali, em direção a Tiradentes. Quando estiver na estrada que liga as duas cidades e avistar um pilar bem alto de ferro, pare. Ali é o Marco Zero da Estrada Real, onde está a Cachoeira de Bom Despacho e onde começa a Trilha de São José, possível de se chegar a Tiradentes também, e com outra cachoeira no caminho. 
Após a trilha, a segunda parte da aventura ao chegar a Tiradentes é com Hlera Off Road, empresa que aluga quadriciclos para subir e descer os vários morros que ligam ao distrito de Bichinho, às vezes passando por atoleiros. O quadriciclo é fácil de se pilotar, mas também desafiador e emocionante, devido à irregularidade da trilha. Precisa ter habilitação de carro ou de moto para guiar. Se não tem, é só ir na garupa. Há um breve treinamento antes e o guia acompanha os pilotos durante todo o trajeto. E ele mesmo recomenda que é melhor ir de roupa velha e de chinelo para ficar mais fácil de se limpar depois.No caminho ainda você conhece uma nascente de água e pode ser que você passe por algumas árvores de frutas.

Cachoeira de Bom Despacho
Pra conhecer Tiradentes sem carro próprio, tem vários horários de ônibus que saem da rodoviária de São João e é só de lá que há ônibus para Tiradentes, cidade onde o inconfidente Tiradentes NÃO nasceu (há muitas teses, mas a mais provável é a de que ele tenha nascido em São João). Não existe nenhum outro lugar do país que te leve de ônibus até Tiradentes. Sim, curioso isso, não? Você TEM DE ir a São João antes de chegar a Tiradentes (se estiver de ônibus). Mas se você quer ter um pouco mais a sensação de viagem no tempo, não escolha nem carro nem ônibus, mas o trem turístico (ou Maria Fumaça) que liga as duas cidades. Pode-se fazer isso de quinta a domingo e o preço da tarifa inteira ida e volta é de R$80,00. Sobre esse passeio, sim, as opiniões das pessoas costumam divergir e não são todos que gostam. Eu não experimentei, então essa parte eu deixo pra você dar o seu parecer. Isso tudo é porque Tiradentes tenta preservar seu ar de vilarejo calmo e simples, então faz o possível para que o turista tenha sossego e sensação de se estar no passado. A fiação elétrica é subterrânea, como a maioria das cidades históricas.

Tiradentes vista da Praça de São José
Quer liberdade maior do que fazer pole dance pelado na Praça de São José?

No adro da Matriz de Santo Antônio, há um relógio de sol, com marcações em duas faces. Uma pra mostrar as horas durante o inverno; outra durante o verão. Seja em que estação você for, sentirá bem acolhido, pois a qualidade da hospitalidade mineira é outra unanimidade.

Eu nunca tinha visto um Cristo nesta pose. - Matriz de Santo Antônio