sábado, 1 de fevereiro de 2020

Flor do Caribe

"Não é possível definir Cartagena. Os historiadores inventaram outra Cartagena, que não tem nada a ver com a verdadeira."
Gabriel Garcia Márquez, escritor nascido em Cartagena




Cartagena de Indias é o nome completo da cidade que é porta de entrada do Caribe colombiano. E você acha que seria possível estar na porta do Caribe, mas ignorar o oceano e curtir apenas o que a cidade em terra firme tem a te oferecer? Eu afirmo que é possível. Em dois dias e três noites ali, eu não senti falta de banho de mar e fiquei só perambulando pela cidade. Em Cartagena, os deslocamentos não são enormes entre nada, os museus estão bem sinalizados, e o principal a se ver está dentro da cidade murada mesmo, que não é grande, ainda mais se você tiver obedecido à grande lei do turista de Cartagena, que é hospedar-se dentro da cidade murada. E eu ordeno que você não desobedeça essa lei.
Plaza San Pedro
Visitei Cartagena justamente no mesmo dia em que o Papa Francisco, em setembro de 2017, então havia muitas restrições nesse dia – ruas trancadas, museus fechados a visitação e lei seca (não se podia consumir bebida alcoólica enquanto ele estivesse ali). Embora os lugares por que eu me interessava, que na verdade são os “mesmos” em todas as cidades (museus e igrejas) estivessem fechadas, não achei que isso tenha sido um problema, pois cidades históricas são sempre um museu a céu aberto. Caminhar a esmo, observando as fachadas das casas, cores e detalhes arquitetônicos, mesmo sem um guia explicando tudo, é ótimo para desacelerar o ritmo que já carrego internalizado por ter vivido por quatro anos numa cidade grande como São Paulo. Essas caminhadas sem rumo são ótimas oportunidades de desligar o ritmo frenético de quem mora em grandes centros urbanos, e quer apenas se deixar levar.
Tática do restaurante Pezetarian de fazer os clientes
darem gorjeta (propina em espanhol). Comigo falhou.
Numa dessas minhas caminhadas noturnas sem destino, um convite de um vendedor ajudou a ocupar uma meia hora da noite: entrar no “Mundo Choco” e conhecer a história do chocolate e degustar uma variedade deles. Essa loja de chocolates inventou uma maneira interessante de atrair mais visitantes e fazê-los se envolver com o produto e, consequentemente, aumentar as vendas. É uma ideia parecida com o “Mundo Encantado do Chocolate”, em Gramado, no sul do Brasil, que é a de uma loja anexa a um museu. No Mundo Choco, em Cartagena, você lê sobre a história do chocolate, vê as representações em quadros e maquetes, degusta, e compra (pelo menos é o que eles esperam, mas eu quebrei as expectativas). De dia, a vida em Cartagena pode ser ainda mais doce. Na frente da Torre Del Reloj, o Portal de los Dulces tem uma variedade de doces de frutas e biscoitos. Deixe para comer sua sobremesa lá. Mas precisa ser de dia mesmo porque à noite os vendedores costumam já estar um pouco cansados para te atender:




Para degustar algo salgado, leve e barato, recomendo o Restaurante Pezetarian, onde a única carne servida é a de peixe, daí o trocadilho interessante no nome do local (peixe em espanhol é “pez”). Em outro ponto não muito distante dali, já que, no centro histórico, nada é muito distante de nada, você tem um pedaço da Argentina em plena cidade colombiana. O Marzola Parrilla é um restaurante com a decoração super interessante, como se fosse um Rio Scenarium, do Rio de Janeiro, ou o Szimpla, de Budapeste, em proporção menor – um lugar repleto de objetos antigos e aparentemente sem relação de sentido um com o outro, mas que, quando reunidos, criam uma harmonia que não se sabe explicar de onde vem e acabam se tornando um dos lugares mais admiráveis da cidade, pra mim.
Marzola Parrilla por dentro



Marzola Parrilla por fora




No Parque El Centenario você encontra muitas opções de artesanatos. Para as fashionistas, o que recomendo comprar são as bolsas wayuu (feitas a mão, de croché), que são bem mais baratas do que no Brasil. O objeto está ficando “gourmetizado” agora, então as grifes as vendem por preços muito altos fora da Colômbia. Já as camisetas com o nome da cidade escrito, a típica lembrança chavão das viagens, você consegue de $20.000 COP a $25.000 COP (pesos colombianos), ou seja, de R$25,00 a R$30,00, talvez uns cinco reais a mais, já que essa viagem tem mais de um ano.


Bolsas Wayuu em feira de rua




Cartagena é com certeza uma cidade de se conhecer a pé, pelo menos a Cartagena turística. A parte periférica é bem pobre, nem parece que é a mesma cidade. Mas, se bater o cansaço, é só esperar um táxi, que lá já tem tarifas predefinidas. O taxista tem uma tabela dentro do carro que você pode consultar caso duvide do preço que ele esteja te falando. Do aeroporto até o Centro histórico por exemplo, há quase dois anos, custava $12.200 COP (R$15,00), não importa a rua do centro histórico onde você pegue o táxi. Dentro do centro histórico, por exemplo, era $8.000 (R$10,00), começando e terminando em qualquer rua, e é o valor igual entre todos os taxistas. Esse preço é também pra ir ao Castelo de San Felipe, cujas tarifas de entrada são $25.000 (R$30,00), mesmo para um idoso estrangeiro. Ali as tarifas de desconto só se aplicam a colombianos, a recepcionista me disse. Não conheci o castelo devido ao sol forte, mas acredito ser algo interessante a se fazer, então vá o mais cedo possível, pra não sofrer com o calor também, porque quase tudo o que há pra se ver é em área externa. E não compre as águas ou bebidas que os ambulantes te oferecerem na fila. Nos dois bares localizados do outro lado da rua, a garrafa de água sai praticamente pela metade do preço deles. Os ambulantes lá costumam ser muito insistentes com os turistas. Entonces, diga "No!".




Cartagena tem bom humor para representar seus personagens anônimos e cotidianos, retratando-os em estátuas de ferro presentes em várias praças, como os vendedores de “raspado”, representados por uma estátua na Plaza San Pedro. Nesses carrinhos eles vendem gelo raspado ao qual eles acrescentam sabor. Vale experimentar pra se refrescar do calor que faz. Ou refresque-se comprando no mercado uma garrafa de Kola Roman, talvez o refrigerante colombiano mais antigo que existe, e que nasceu justamente ali, em Cartagena. Tem ainda as estátuas de ferro das praças do bairro de Getsemaní, bem divertidas, como o homem que urina no poste ou o cachorro que morde a calça da criança ou os dois homens que brigam. E o artista mais famoso a fazer estátuas também deixou sua marca ali, na Plaza Santo Domingo, em frente ao convento de mesmo nome, uma estátua nua (sim, na frente do convento), de nome Gertrudis.

Gertrudis se bronzeando na frente da casa de Deus.

Continuando fora da muralha, o bairro Getsemaní é conhecido também como bairro dos grafites. Interessante de se caminhar por ele, mas eu recomendaria fazê-lo somente de dia, porque, segundo pessoas locais, é um pouco violento à noite. Descobri isso depois de caminhar por lá em busca de um lugar para se dançar salsa. Encontrei, mas a dança não aconteceu, devido às proibições de festa em virtude da visita do papa. Abençoada seja também a sua viagem!

O viajante brasileiro representado nos grafites de Getsemani