quinta-feira, 1 de junho de 2023

O Tempo Não Apaga

"Quer tirar foto? Compre primeiro. / O prazo final pra reclamações terminou ontem."
Alguns dos recados que se vê pelas vitrines de lojas da capital da Estônia.
Feira em Town Hall Square, em Tallin.


Muita gente fica em Tallin apenas por um dia, seja porque viajam de navio de cruzeiros; seja porque moram na Finlândia e vão até lá só pra passar o dia, já que são só duas horas de balsa entre Helsinki e Tallin. Como o principal a se ver está bem concentrado numa área relativamente pequena e o porto é bem perto do Centro, eu concordo que um dia pra essa cidade é suficiente. Eu fiquei três dias, mas um deles foi usado só pra descansar e me organizar, já que, em 2019, minha viagem toda durou quatro meses. Então, dois dias de passeio por Tallin deu pra sair satisfeito.

  

Esses dois dias em Tallin foi só ouvindo histórias. Peguei três passeios turísticos grátis (free walking tours): um com foco em histórias medievais; outro com foco em histórias comunistas; e outro geral, que, inevitavelmente, acabou falando um pouco das duas coisas. Claro que não conseguirei contar muita coisa aqui porque, como conheço pouco da história dos países bálticos e pouco se fala deles no Brasil, é mais difícil, pra mim, fazer relações e pontes entre as histórias que ouvi e conseguir recontar fatos históricos sem ter a sensação de estar esquecendo de algum detalhe ou de estar falando algo errado. O outro desafio é que os guias são também falantes de inglês como segunda língua e têm, assim como eu, seus vícios e seu sotaque, logo não consegui entender 100% do que é dito.

  

A guia Ellen explicou que os estonianos não gostam muito de small talks, essas conversas que a gente tem com alguém que se senta perto de nós na praça ou está na nossa frente numa fila: “Tá frio hoje, né?”. Eles não vêm sentido nisso (graças a Deus pessoas que pensam como eu!). Ela também explicou que estonianos são desconfiados, característica que a própria história acabou enraizando no povo. Por exemplo, em 1918, declararam a independência, que só durou um dia (literalmente), porque os alemães invadiram o país durante a Segunda Guerra. Depois, veio a União Soviética e ficou mandando e desmandando até o início dos anos 1990. Sem mencionar o período medieval, que só se fala em guerras. Imagine que a vida inteira os estonianos ficaram sob o comando de um outro alguém. Eles só conheceram a paz depois que a União Soviética acabou. Pelo menos tem sido uma paz tão grande, a ponto de a capa de um dos principais jornais do país noticiar cachorros que se perderam e que foram encontrados. Ou seja, se isso vira assunto de mídia e é notícia de primeira página, é porque lá realmente não acontece NA-DA, ao contrário de épocas antigas, cheias de histórias que o povo não esquece, não importa quanto tempo passe.




Num outro passeio, o outro guia contou que sua bisavó foi uma das torturadas pela KGB e se matou por ter ficado cega nas torturas. KGB significa “Comitê de Segurança do Estado”, tipo o DOPs que a gente tinha aqui no Brasil. Mesmo assim, tem pessoas que eram a favor do regime soviético. É como a ditadura militar que nós tivemos – pessoas abominam, mas pessoas a querem de volta. Há um Museu da KGB, então visite caso você queira pagar pra sentir um pouco de revolta e angústia.


Mirante.

Já no tour medieval as histórias foram mais bizarras. Como entretenimento na época, era costume assistir a alguém atravessando uma corda bamba presa à altura da mais alta torre de igreja. Ninguém era obrigado a isso e os candidatos sabiam do alto risco de morte, mas se candidatavam mesmo assim. O que os consolava era que, caso morressem, ficariam famosos, pois todo mundo comentaria do acidente. A gente achou bem estranho isso tudo, mas a explicação do guia me convenceu: na Idade Média, a expectativa de vida era muito baixa, então, se a pessoa não morresse naquela queda, ela morreria de alguma outra doença e jovem do mesmo jeito. O tombo pelo menos era uma morte mais “louvável” aos olhos dos outros. Ele ainda acrescentou que, provavelmente, muita coisa que põe nossa vida em risco hoje em dia talvez seja vista daqui a centenas de anos como algo totalmente sem sentido, como a Fórmula 1.

Telliskivi Creative City, parte moderna da cidade, bem colorida e divertida.

Nós entramos numas casas antigas e este guia nos chamou a atenção para o fato de a maioria das casas não terem vidros na fachada, mas terem vidros nas paredes dos fundos. Explicou que havia um imposto sobre janelas na Idade Média. Então, para driblar a lei, as janelas da frente eram substituídas por portas de madeira e só o fundo da casa tinha janelas de verdade. Outro imposto bizarro medieval era o imposto por tecido elegante, pago por polegada. Se a pessoa quisesse sair com uma roupa de boa qualidade, teria de pagar por isso, uma maneira de manter o pobre e o rico em seu devido lugar.

  


As vitrines de Tallin são cheias de trocadilhos.

Preços de junho de 2019, quando um euro era quase cinco reais:

Ônibus de Riga (Letônia) a Tallin (empresa Eco Lines) – 16EUR.

Bonde (tram) circular – 2EUR.

Balsa de Tallin a Helsinki - não me lembro. 2 horas de viagem.

Concerto de orquestra na Black Heads House – 5EUR.

Museu da KGB - 12EUR - Não fui.

Noodles no restaurante do mercado Balti Jaama Turg – 6EUR. Os restaurantes na área medieval são um pouco mais caros, mas muito legais, porque são quase todos em subsolo, então te deixa num clima mais medieval também. Perto do mercado, está o Telliskivi Creative City, um centro comercial onde havia uma fábrica. O mercado é muito interessante e divertido e cheio de bom humor, até na hora de "xingar" o freguês: 

 

"Quer tirar foto? Compre primeiro!"



Surpresa! Há mesas de ping pong por algumas praças da cidade.

Porto de Talllin.