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domingo, 1 de março de 2020

Jesus

"Ao ateu, não diria que sua vida está condenada, porque estou convencido de que não tenho direito de fazer juízo sobre a honestidade dessa pessoa."
Papa Francisco

Morro de Monserrate ao fundo


Já comecei a viagem de Bogotá do topo. Na verdade, pensando que normalmente as viagens pro exterior são feitas de avião, posso dizer que todas elas começam do topo mesmo. Mas você entenderá o que eu quis dizer. Cheguei no meio da tarde de uma terça feira, pra ficar só três dias, e me hospedei num hotel de frente para o Parque de los Periodistas (Parque dos Jornalistas, traduzindo). De lá, eu tinha uma vista linda do parque (que mais parece uma praça) e do famoso Morro de Monserrate. De cara já senti vontade de ver a cidade lá de cima. Neste caso, foi muito tranquilo ir a pé (mas só até a base do morro, porque escalá-lo seria demais para fazer no fim do dia, depois de seis horas de voo desde São Paulo até lá). 
Parque de los Periodistas
Saí do hotel, cruzei o parque, que também é cruzado por um estreito e interessante espelho d’água,  um canal artificial construído como resposta a como o crescimento urbanístico tem impactado os caminhos normais da natureza, já que, no passado, aquela era uma zona hidrológica. Esse filete de água se chama Eixo Ambiental. Passei pela Universidade, e cheguei à recepção do Cerro de Monserrate. Dá para subir de teleférico ou funicular, que é um pouco mais barato, mas que não estava em operação naquele dia. A subida de teleférico durou cinco minutos e a vista foi quase tão boa quanto a do topo do morro. Recomendo você fazer esse passeio do modo que eu fiz, próximo de o dia escurecer, porque aí você vê a cidade de dia e também de noite. As pessoas não costumam subir Monserrate somente pela vista, mas também por devoção, para assistir às missas ou fazer suas próprias orações na Basílica do Senhor de Monserrate, uma igreja simples. Mas, se quiser rezar, veja os horários das missas em http://www.cerromonserrate.com/es/.
Bogotá ao anoitecer vista de Monserrate
Pouco abaixo da lateral da igreja, sai um caminho por onde estão dispostas várias imagens, representando as etapas da paixão de Cristo. Essa Via Sacra tem poucos metros e, caminhando por ela, tem-se uma noção melhor da vegetação do morro. Na volta, parei no poço dos desejos, mas não joguei moeda, esperando que ele se realizasse pela fé mesmo, que foi o que Jesus ensinou. Dois anos e meio depois, não sei se faço muita questão do tal desejo se realizar mais. Os dois restaurantes que estão no morro não são caros e ainda servem de pretexto para você prolongar o prazer que aquela vista dá. A arquitetura antiga deles ajuda a trazer ainda mais uma atmosfera tranquila e romântica.

 
Via Crucis em Monserrate iluminada pela lua.
Assim como em Cartagena, parecia que Francisco, o papa, estava me perseguindo. Ele também estava em Bogotá no mesmo dia que eu e é lógico que isso influenciou muito na rotina da cidade, principalmente o trânsito. Só que da vez que eu fiquei quase meia hora dentro de um ônibus parado não foi por causa disso. O motorista parou num ponto, levantou-se e, batendo na barriga, disse pra nós, os passageiros: "Perdon, tengo una emergencia de baño"*. Saiu e voltou uns 20 minutos depois. 

Eu não acompanhei os caminhos nem os discursos que Francisco fez por Bogotá, mas, de certa forma, a gente acaba sentindo uma certa energia, talvez pela força de pensamento devoto que tanta gente a seu redor está fazendo... Comecei a achar Bogotá uma cidade muito original em vários aspectos e ver a história de Jesus representada de tantas formas visuais diferentes me chamou a atenção. No dia seguinte, mal tinha conhecido Bogotá e já peguei dois ônibus para outra cidade, a fim de conhecer uma igreja de sal. Parte das pessoas estão lá por turismo religioso, mas a maioria vai mesmo é pela curiosidade de ver as capelas na minha de sal subterrânea. De transporte público, a segunda parte da viagem foi pitoresca também. O primeiro ônibus, do bem organizado sistema de transporte chamado Transmilênio, levou 40 min até o terminal norte e custou $2.200,00 COP (preço de dois anos e meio atrás; hoje em dia, dois mil pesos colombinas dá quase três reais). De lá, precisa pegar um pequeno ônibus, cujo cobrador fica quase os 40 minutos do tempo total da viagem, uns 50 km, em pé na porta, que está aberta, gritando o destino do ônibus pra qualquer um que ele veja na calçada. Quem quiser subir acena para o ônibus parar. Quando chegar a Zipaquirá você desce na parada onde descer o maior número de turistas, porque todos que vão a Zipaquirá querem é conhecer a famosa Catedral de Sal mesmo , até os ateus (https://www.catedraldesal.gov.co/). 
Presépio no interior da Catedral
Ande 2,5 km ou pague uns $5.100,00 de taxi até lá. Na recepção da mina de sal, você paga o valor correspondente a quanto você quer conhecer desse “parque de sal”. São quatro opções de planos e peguei o mais básico, só para catedral e trem, que é melhor pegar quando for embora, porque daí ele já te deixa na praça. Em meia hora, ele desce para o centro de Zipaquirá, com alto falante narrando histórias em português e em espanhol, mas com qualidade de áudio muito ruim. Nem a parte em português eu entendi direto.
Não foi Jesus quem disse que nós somos o sal da terra?
Bem, dentro da Catedral, o passeio começa com uma visita guiada, passando por diversas galerias e ouvindo histórias de sua construção. Ao fim da visita, ainda dá para passar tempo lá, vendo as imagens, as lojas de artesanato, assistir a um filme de 15 minutos e a um show de luzes de oito. Isso tudo debaixo da terra. Já na volta, sob luz do sol novamente, faça um lanche e experimente as famosas arepas, que estavam custando $13.000,00COP. Arepa é um bolinho recheado cuja massa é à base de milho (como muita coisa na Colômbia). Se você achar que sal é uma pauta que pode render ainda mais, visite também a Mina de Sal de Nemocón, a 15km apenas de Zipaquirá (https://www.minadesal.com/). Só que desta atração as pessoas comentam pouco. Eu mesmo não cheguei a visitar.

 
Andrés Carne de Res unidade Retiro.
 Já de volta a Bogotá, depois de meia hora de cobradores gritando “Bogotá” a cada pessoa que viam à beira da estrada, jantei no shopping ao lado do terminal norte, o Santa Fe Centro Comercial, no restaurante Andrés Carne de Rés, que é bem diferente do outro tão recomendado Andrés que está no Centro Comercial Retiro. No do Santa Fe, é como se fosse a reunião de vários pequenos estabelecimentos, cada um especializado num tipo de comida, mas todos pertencentes à rede Andrés. No Andrés do Retiro fui no dia seguinte. Lá se paga para entrar, pois é um lugar para se passar a noite, dançar reggaeton, escutar música, comer e admirar a decoração, bem pitoresca. Parecia que eu estava em várias festas ao mesmo tempo. Eram vários pisos, mas cada ambiente parecia ter um clima diferente, mesmo que todos estivessem escutando a mesma música e que todo mundo pudesse circular à vontade por todo o prédio. Num andar havia uma festa de casamento de um lado e um aniversário do outro. A balada se encerrou às 3h e tive de sair mesmo porque às 2h50 uma voz feminina sensual que parece gravada em aeroporto diz, literalmente isto: “Você tem dez minutos para se retirar”. Muita diversão sem gastar muito - um ceviche por $36.000,00COP e uma Ginger Ale (refrigerante a base de gengibre) por $6.000,00COP. Na conta vem ainda os 10% do serviço e ainda o imposto. Quase R$60,00 no total então. 

Jesus sob a visão de Botero


Deu para perceber que de Bogotá, mesmo, eu tinha conhecido pouca coisa ainda. Então resolvi caminhar pela parte histórica central, mas acompanhado de alguém que bem conhecesse a região. Para isso, melhor fazer o que sempre faço nas viagens, que é usar algum serviço de passeio guiado a pé gratuito, os Free Walking Tours, e lá são várias opções. Você pode acessar este tour (http://www.beyondcolombia.com/) ou este (https://strawberrytours.com/bogota) ou ainda este (https://www.freetour.com/bogota/free-walking-tour-bogota) e ver o que melhor te atende. Na verdade, de “free” é só o nome, pois é educado se você der uma gorjeta para o guia ao final do passeio. Meu guia sugeriu uma gorjeta de $20.000,00COP por pessoa, mas achei meio caro e acabei dando só $15.000,00COP, mesmo ele sendo um bom profissional. Contou-nos muita história política do país. Num antigo prédio da Plaza Simon Bolivar, disse que houve um incêndio em 1786 que queimou muitos arquivos e, por isso, o país tem mais “teorias históricas”, do que uma história oficial. Sobre os escombros, construíram o Capitólio, cuja fachada era pra ser, na verdade, o fundo do prédio. Na hora de construir, acabaram colocando o prédio com as costas pra praça. Pelo local voam muitos pombos, e turistas são a todo momento abordados por pessoas que vendem milho para alimentar os pombos. Eu não vejo o menor sentido pagar pra alimentar um bicho que pode te passar doença.


Minha próxima recomendação culinária é a sopa ajiaco (diga “aiaco”). No caso, comi a minha por $26.000,00 no Puerta Falsa, um lugar apertado e cheio, com fila de espera na calçada, mas vale a pena esse pequeno incômodo porque a sopa é deliciosa. A sobremesa, à base de nata, parecida com doce de leite, custou mais $10.000,00COP.

 
Altar da Igreja de Santa Clara
Últimas recomendações do centro de Bogotá: vá ao Museu Santa Clara. A entrada é só $3.000,00COP e sua beleza lembra um pouco a das igrejas das cidades brasileiras de Recife e Ouro Preto, pela quantidade enorme de ouro. O Museu Botero é gratuito e tem acervo de esculturas e pinturas dele e também seu acervo de coleção de outros artistas, como Picasso e Miró. Imagine poder ver gratuitamente obras de grandes artistas de renome internacional reunidas num só prédio. E anexo ainda está a Casa da Moeda, também gratuita.


Visão do Centro da cidade a partir do Museu das Esmeraldas
Assim como começou, terminei a visita por Bogotá também pelo topo. Paguei $4.000,00COP para visitar o Museu das Esmeraldas, que fica do 23º andar de um prédio. A visita guiada introdutória dura 15 minutos e depois pode-se ficar à vontade para olhar alguns paineis e a loja. Não se pode fotografar e a visita é rápida, se você não se encantar com a vista também. O museu tem janelas para várias direções e a visita acaba valendo mais pela visão do centro de Bogotá que se tem dali. Agora, se for falar de algum museu pensando em seu interior, aí o Museu do Ouro é bem melhor. Esse assunto aí eu deixo para você descobrir por conta própria.

Dica: se estiver hospedado no centro, prefira sempre chegar em casa de táxi e evite andar à noite pela área. Eu estava no ônibus e, quando alguns passageiros locais viram que eu pretendia descer, me recomendaram que NÃO, que eu deveria descer só uma estação depois daquela e não andar sozinho por ali porque era uma zona perigosa. 

*"Desculpem, preciso ir ao banheiro."

sábado, 1 de fevereiro de 2020

Flor do Caribe

"Não é possível definir Cartagena. Os historiadores inventaram outra Cartagena, que não tem nada a ver com a verdadeira."
Gabriel Garcia Márquez, escritor nascido em Cartagena




Cartagena de Indias é o nome completo da cidade que é porta de entrada do Caribe colombiano. E você acha que seria possível estar na porta do Caribe, mas ignorar o oceano e curtir apenas o que a cidade em terra firme tem a te oferecer? Eu afirmo que é possível. Em dois dias e três noites ali, eu não senti falta de banho de mar e fiquei só perambulando pela cidade. Em Cartagena, os deslocamentos não são enormes entre nada, os museus estão bem sinalizados, e o principal a se ver está dentro da cidade murada mesmo, que não é grande, ainda mais se você tiver obedecido à grande lei do turista de Cartagena, que é hospedar-se dentro da cidade murada. E eu ordeno que você não desobedeça essa lei.
Plaza San Pedro
Visitei Cartagena justamente no mesmo dia em que o Papa Francisco, em setembro de 2017, então havia muitas restrições nesse dia – ruas trancadas, museus fechados a visitação e lei seca (não se podia consumir bebida alcoólica enquanto ele estivesse ali). Embora os lugares por que eu me interessava, que na verdade são os “mesmos” em todas as cidades (museus e igrejas) estivessem fechadas, não achei que isso tenha sido um problema, pois cidades históricas são sempre um museu a céu aberto. Caminhar a esmo, observando as fachadas das casas, cores e detalhes arquitetônicos, mesmo sem um guia explicando tudo, é ótimo para desacelerar o ritmo que já carrego internalizado por ter vivido por quatro anos numa cidade grande como São Paulo. Essas caminhadas sem rumo são ótimas oportunidades de desligar o ritmo frenético de quem mora em grandes centros urbanos, e quer apenas se deixar levar.
Tática do restaurante Pezetarian de fazer os clientes
darem gorjeta (propina em espanhol). Comigo falhou.
Numa dessas minhas caminhadas noturnas sem destino, um convite de um vendedor ajudou a ocupar uma meia hora da noite: entrar no “Mundo Choco” e conhecer a história do chocolate e degustar uma variedade deles. Essa loja de chocolates inventou uma maneira interessante de atrair mais visitantes e fazê-los se envolver com o produto e, consequentemente, aumentar as vendas. É uma ideia parecida com o “Mundo Encantado do Chocolate”, em Gramado, no sul do Brasil, que é a de uma loja anexa a um museu. No Mundo Choco, em Cartagena, você lê sobre a história do chocolate, vê as representações em quadros e maquetes, degusta, e compra (pelo menos é o que eles esperam, mas eu quebrei as expectativas). De dia, a vida em Cartagena pode ser ainda mais doce. Na frente da Torre Del Reloj, o Portal de los Dulces tem uma variedade de doces de frutas e biscoitos. Deixe para comer sua sobremesa lá. Mas precisa ser de dia mesmo porque à noite os vendedores costumam já estar um pouco cansados para te atender:




Para degustar algo salgado, leve e barato, recomendo o Restaurante Pezetarian, onde a única carne servida é a de peixe, daí o trocadilho interessante no nome do local (peixe em espanhol é “pez”). Em outro ponto não muito distante dali, já que, no centro histórico, nada é muito distante de nada, você tem um pedaço da Argentina em plena cidade colombiana. O Marzola Parrilla é um restaurante com a decoração super interessante, como se fosse um Rio Scenarium, do Rio de Janeiro, ou o Szimpla, de Budapeste, em proporção menor – um lugar repleto de objetos antigos e aparentemente sem relação de sentido um com o outro, mas que, quando reunidos, criam uma harmonia que não se sabe explicar de onde vem e acabam se tornando um dos lugares mais admiráveis da cidade, pra mim.
Marzola Parrilla por dentro



Marzola Parrilla por fora




No Parque El Centenario você encontra muitas opções de artesanatos. Para as fashionistas, o que recomendo comprar são as bolsas wayuu (feitas a mão, de croché), que são bem mais baratas do que no Brasil. O objeto está ficando “gourmetizado” agora, então as grifes as vendem por preços muito altos fora da Colômbia. Já as camisetas com o nome da cidade escrito, a típica lembrança chavão das viagens, você consegue de $20.000 COP a $25.000 COP (pesos colombianos), ou seja, de R$25,00 a R$30,00, talvez uns cinco reais a mais, já que essa viagem tem mais de um ano.


Bolsas Wayuu em feira de rua




Cartagena é com certeza uma cidade de se conhecer a pé, pelo menos a Cartagena turística. A parte periférica é bem pobre, nem parece que é a mesma cidade. Mas, se bater o cansaço, é só esperar um táxi, que lá já tem tarifas predefinidas. O taxista tem uma tabela dentro do carro que você pode consultar caso duvide do preço que ele esteja te falando. Do aeroporto até o Centro histórico por exemplo, há quase dois anos, custava $12.200 COP (R$15,00), não importa a rua do centro histórico onde você pegue o táxi. Dentro do centro histórico, por exemplo, era $8.000 (R$10,00), começando e terminando em qualquer rua, e é o valor igual entre todos os taxistas. Esse preço é também pra ir ao Castelo de San Felipe, cujas tarifas de entrada são $25.000 (R$30,00), mesmo para um idoso estrangeiro. Ali as tarifas de desconto só se aplicam a colombianos, a recepcionista me disse. Não conheci o castelo devido ao sol forte, mas acredito ser algo interessante a se fazer, então vá o mais cedo possível, pra não sofrer com o calor também, porque quase tudo o que há pra se ver é em área externa. E não compre as águas ou bebidas que os ambulantes te oferecerem na fila. Nos dois bares localizados do outro lado da rua, a garrafa de água sai praticamente pela metade do preço deles. Os ambulantes lá costumam ser muito insistentes com os turistas. Entonces, diga "No!".




Cartagena tem bom humor para representar seus personagens anônimos e cotidianos, retratando-os em estátuas de ferro presentes em várias praças, como os vendedores de “raspado”, representados por uma estátua na Plaza San Pedro. Nesses carrinhos eles vendem gelo raspado ao qual eles acrescentam sabor. Vale experimentar pra se refrescar do calor que faz. Ou refresque-se comprando no mercado uma garrafa de Kola Roman, talvez o refrigerante colombiano mais antigo que existe, e que nasceu justamente ali, em Cartagena. Tem ainda as estátuas de ferro das praças do bairro de Getsemaní, bem divertidas, como o homem que urina no poste ou o cachorro que morde a calça da criança ou os dois homens que brigam. E o artista mais famoso a fazer estátuas também deixou sua marca ali, na Plaza Santo Domingo, em frente ao convento de mesmo nome, uma estátua nua (sim, na frente do convento), de nome Gertrudis.

Gertrudis se bronzeando na frente da casa de Deus.

Continuando fora da muralha, o bairro Getsemaní é conhecido também como bairro dos grafites. Interessante de se caminhar por ele, mas eu recomendaria fazê-lo somente de dia, porque, segundo pessoas locais, é um pouco violento à noite. Descobri isso depois de caminhar por lá em busca de um lugar para se dançar salsa. Encontrei, mas a dança não aconteceu, devido às proibições de festa em virtude da visita do papa. Abençoada seja também a sua viagem!

O viajante brasileiro representado nos grafites de Getsemani