domingo, 23 de março de 2014

Sampa

“Somente através da arte nós conseguimos sair de nós mesmos e conhecer a visão do outro sobre o universo.” – Marcel Proust, escritor francês.
Quando eu cheguei por aqui, eu nada entendi.

Quantas vezes já fui a São Paulo e ainda assim posso dizer que não conheço a cidade. Tentei contar nos dedos agora e está totalizando quinze vezes. Mas sempre foram viagens muito pontuais. Já teve vez de chegar de manhã e ir embora no fim da tarde. Ou ficar na cidade três dias, mas sempre enfurnado num determinado lugar, fazendo treinamento, ou participando de congresso, e aí não dava tempo de conhecer nada. E, mesmo depois de tantas vezes lá, São Paulo ainda me dava medo. Tinha a sensação de estar perdido, mesmo quando sabia aonde ia. É muita gente andando pra lá e pra cá e depois de todas essas idas e vindas, vários cenários pra mim ainda eram desconhecidos. Era como se eu nunca tivesse iiiiiido realmente lá, como se a cidade fosse só um ponto de passagem, um lugar por onde eu nem paro e já volto pra casa rápido, com uma recordação, com uma medalha, com uma camiseta. Estar lá é como se eu tivesse de estar em estado de alerta o tempo todo, talvez porque só as notícias policiais mais sanguinolentas chegam até nós...
... do povo oprimido nas filas, nas vilas, favelas.
É aquele nervosismo que a gente tem segundos antes de entrar no palco, só que essa sensação é constante, como se a qualquer hora eu pudesse ser assaltado. Passa de vez em quando, como se eu já estivesse no palco, mas depois volta. Por isso tudo, em julho de 2013 eu resolvi que precisava conhecê-la mais, então fiquei dez dias lá. Foste um difícil começo. Mas não gastei com hospedagem, lógico. Ronaldo, do Couchsurfing, se ofereceu pra me hospedar. Não fiquei mais só na imaginação de como seria Sampa e aprendi depressar a chamá-la de realidade.
Com Hícaro no Parque do Ibirapuera.
Pela manhã, meu tempo estava ocupado visitando alguma Companhia de Dança, fazendo aulas, assistindo aos ensaios, conhecendo outros bailarinos e profissionais da dança. Tarde e noite eram reservadas aos passeios. A cidade tem arte por todos os lados e também parece ser um ímã de pessoas interessadas em viver desta. Hícaro foi meu colega de trabalho em Belo Horizonte e hoje está em Sampa trabalhando em musicais. Fizemos um passeio numa tarde ao Parque do Ibirapuera. Visitamos o Museu Afro Brasil, que fechou antes que víssemos tudo.
Ainda não havia para mim Rita Lee, só Daniela Calabresa.
Também aproveitei para fazer turismo. No Festival do Japão, evento que acontece no mês de julho, experimentei todo tipo de comida que eu pude pagar e que pudesse caber dentro de mim e assisti a apresentações de dança e música, pagando apenas R$10,00 pelo acesso ao parque. Além das exposições e eventos típicos, a feira tinha barracas vendendo diversos tipos de comida e bebida japonesas, e até dvd’s com novelas inteiras, todas com trama japonesa.
O metrô foi meu principal meio de transporte - mais barato e mais rápido.
Numa outra tarde, meu programa foi andar pela Avenida Paulista. Tinha tanta coisa pra se ver, que não consegui pegar o MASP aberto. Vi apenas algumas exposições no Itaú Cultural. Entre um lugar e outro, uma bicicleta branca na calçada me deixou intrigado. Eu já tinha visto uma em Porto Alegre e, pesquisando sobre isso na internet, vi que, em algumas cidades da Europa, ela serve para sinalizar um local onde um ciclista se acidentou e morreu. Talvez estejam querendo lançar a mesma moda por aqui.
A fragilidade do ciclista em meio à agressividade do trânsito e
sua feia fumaça que sobe, apagando as estrelas.
A poucos minutos de caminhada dali, já em outra rua, está o Centro Cultural Vergueiro, com exposições bem interessantes também e espetáculos gratuitos, uma coisa bem comum naquela cidade. Não adianta. Mesmo nos programas turísticos, a escolha era sempre por alguma coisa relacionada à dança ou alguma outra arte. Todos os dias, se eu quisesse, poderia assistir a alguma peça de teatro ou dança sem pagar nada.  E eu quis. Não faltaram passeios à noite. Conheci não sei quantos teatros e não sei quantos bairros nessa minha caça aos teatros. Eu “perdia” tempo até nas estações do metrô, olhando as exposições dos corredores.
E via surgir teus poetas de campos, espaços.
Falando novamente das tantas outras vezes que fiz bate-volta a São Paulo, lembro dos treinamentos da Cia Theo & Mônica meses antes de eu embarcar no navio de cruzeiros. Era no bairro Mandaqui, onde também acontece uma feira de comida e artesanatos aos domingos. Eu e alguns ex-companheiros de bordo tomávamos café da manhã e almoçávamos lá porque havia pasteis fritos de todos os tipos de recheio e caldos de cana com vários tipos de acompanhamento. Os meus favoritos eram o pastel de berinjela e o pastel de Sonho de Valsa e o caldo de cana com cajá.
Capela Santa Cruz das Almas dos Enforcados, bairro Liberdade.
Uma outra ida vapt-vupt foi para me apresentar com a Companhia Navegante durante a Mostra Contemporânea de Arte Mineira, em 2008. Tanto os mineiros quanto os paulistas quanto os novos baianos puderam curtir numa boa. O evento foi organizado por atores de Minas, tipo ela:
Fala, bella Débora.
Lembro também dos dois campeonatos de kung-fu de que fui participar. Fiquei em segundo lugar num deles, e não foi "culpa da Rita". Eu era da equipe Shaolin do Norte da cidade de Ouro Preto. A gente sempre encontrava tempo pra ir ao bairro Liberdade e fazer compras pelas lojas e pela feira que acontece aos domingos. É como estar no Japão. Só que eu nunca estive lá, então não posso dizer que É como estar no Japão, melhor falar que DEVE SER como estar no Japão. O cenário é completo: escritos japoneses por todos os lados, há até jornais e revistas impressos no Brasil totalmente em japonês, sem a tua mais completa tradução; todo tipo de produtos importados, de eletrônicos a comestíveis enlatados; pessoas de olhos puxados que te atendem nos restaurantes, mas não falam uma palavra de português. Isso misturado ao nosso cenário "normal" – igrejas católicas, frases em português, pessoas de olhos arregalados.

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