"Vai ter uma
festa que eu vou dançar até o sapato pedir pra parar. Aí eu paro, tiro o sapato
e danço o resto da vida."
Chacal, poeta brasileiro.
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Eu com a hóspede Carmen. |
"Baila Comigo(?)": Esta era a
frase com que eu iniciava contato com as hóspedes a bordo do Costa Fascinosa,
navio no qual trabalhei por dois meses e uma semana, de janeiro a março deste
ano.
“Desculpe, não posso, tenho um problema
no joelho.”
“Meu marido não deixa.”
“Ah, eu estava dançando e acabei de
sentar. Me chama depois.”
“Agora não, ta. Depois.”
“Não posso. Fiz uma cirurgia há poucos
dias.”
“Estou indo jantar agora.”
“É que andei hoje o dia todo em Buenos
Aires, fomos à Rua Florida pra fazer compras, estou muito cansada.”
"Eu não danço. Gosto apenas de
observar."
E essas eram algumas das
várias desculpas que dificultavam meu trabalho. A diretora de cruzeiros queria
ver a gente dançando 24 horas, e a gente tentava, mas, às vezes, as hóspedes
não colaboravam. Ainda bem que elas eram minoria. A maioria estava louca pra se
remexer muito. Quantos sorrisos - às vezes mudos, às vezes com suspiro, às
vezes acompanhados de palavras de agradecimento - eu recebi... De alguns rostos
me recordo até hoje, pena que não posso ilustrá-los aqui e pena que não tenho
fotos com eles. A maior parte do público do navio era de aposentados (sozinhos
ou casais) e de famílias, logo a maioria das minhas parceiras de dança tinha
mais de 60 anos de idade (não é o que as fotos aqui mostram, mas pode crer que
era assim, sim). Cheguei a dançar até com uma de 92. Já me esqueci de algumas
carinhas, logicamente. Às vezes não me lembrava do rosto de alguma nem de um
dia pro outro, de tantas que eram. Me cumprimentavam no dia seguinte com um
sorriso verdadeiro e voz entusiasmada, como se nos conhecêssemos já há muito
tempo. Eu, pra não passar por mal educado, retribuía da mesma forma, mesmo não
tendo reconhecido a ditacuja de imediato. Com certeza devo ter passado batido
por alguma delas e pensaram que eu era mal educado... Elas que me perdoem.
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Tal mãe, tal filha: eu com as cariocas Denise... |
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... e Louise. |
"E como você conseguiu esse
trabalho?", você deve estar pensando. Fiz uma seleção em Curitiba. Há
seleções em umas quatro ou cinco cidades do Sul e Sudeste do país, organizadas
pela Cia Theo & Mônica, grandes dançarinos e líderes, que já trabalham há
mais de 15 anos em navios. Na seleção, só pediram aos candidatos que pegassem
um par e dançassem como se estivessem num baile. Puseram pra tocar um minuto de
cada ritmo (bolero, forró, tango, samba e salsa) e filmaram. Depois,
preenchemos uma ficha com dados pessoais, onde relatávamos sobre nossa
experiência com dança de salão, e tiramos uma foto. Uma semana depois, já tive
o resultado positivo da aprovação. Se você tem vontade de participar, visite a
página de Theo e Mônica no facebook e fique atento às divulgações de seleção
para integrar a equipe de dança de salão dos navios Costa Cruzeiros, que
acontecem entre maio e julho. Feita a seleção, nós participamos de três finais
de semana (sexta, sábado e domingo) de treinamentos em São Paulo, onde
aprendemos sobre a vida a bordo e ensaiamos as coreografias das apresentações.
Não precisa ser um exímio dançarino de dança de salão para fazer esse trabalho.
O que conta mais é o quanto você é comunicativo e sabe tratar as pessoas. Como
eu disse antes, a maioria das hóspedes já fica muito feliz de fazer
frente-e-trás e dois pra lá dois pra cá. Mesmo assim, se você não for aprovado
na seleção, não desanime. Eu só fui aprovado na minha segunda tentativa.
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Eu e meu colega Xandão e a hóspede Regina. |
Volto a falar que a parte mais gostosa
do trabalho é a parte do envolvimento sentimental das hóspedes com você. Várias
me procuraram no facebook, e me escreveram depois de descerem, porque, para
elas, o trabalho que fizemos foi a melhor coisa do cruzeiro (que bom ouvir isso
da boca delas!). Como a minha modéstia lutava contra o meu ego superinflado ao
escutar isso, eu apenas sorria, agradecia e guardava comigo esse elogio. Lógico
que isso não é mérito meu, é mérito de toda a equipe e do ambiente alegre, que,
por si, acaba exalando felicidade. Vale afirmar que todas as fotos desta publicação foram tiradas por elas e "carinhosamente roubadas" do face.
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Equipe de 12 dançarinos e os mestres Theo e Mônica. |
O trabalho foi bem tranquilo, porque,
como o público que estava a bordo em geral não tinha o costume de dançar, eu
acabava fazendo muito dois pra lá dois pra cá nos bailes. Às vezes cansava um
pouco porque algumas mulheres não tinham coordenação nem pra fazer isso, então
eu acabava fazendo um pra lá um pra cá mesmo. Mesmo com essas parceiras com
pouco conhecimento de dança, aprendi muito - um aprendizado que é difícil de
descrever aqui. Talvez não foi algo técnico, diretamente relacionado à dança,
mas eu tenho certeza de que todo mundo que passa pela minha vida, alguma coisa
me deixa/modifica. E não pense que a falta de jeito pra dançar é uma coisa
diretamente relacionada à idade. Peguei muitas adolescentes pata dura (é assim
que os argentinos chamam uma pessoa que não dança bem) e também muitas senhoras
que davam show. Era legal ser surpreendido assim.
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Meus colegas Marcelo e André, e a hóspede Simone. |
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As gaúchas Heloísa e Taís só saíam depois da última música. |
Algumas hóspedes/bailarinas falavam
comigo como se eu estivesse fazendo um grande favor na vida delas, mal sabiam
que eu estava ali por obrigação - obrigação que não deixava de ser um prazer.
Por isso, escolhi trabalhar com dança, porque todas as minhas obrigações são
feitas com prazer. Tá, nem sempre é feita com tanto prazer assim, às vezes tem
uma coxa doendo, uma coluna meio fora do lugar, um ombro gangrenando, mas,
quase todas as vezes, dançar é um prazer, ainda mais num ambiente como um navio
de cruzeiros. As pessoas vivem felizes, todos te sorriem o tempo todo, até o
garçom ou o camareiro, que estão ali pra te servir, que fazem um trabalho muito
mais pesado do que o que eu fazia, e que nem sempre recebem tanto
reconhecimento quanto nós, que tínhamos um trabalho que nós deixavam mais
expostos que eles. A felicidade era tanta, que às vezes parecia artificial, mas
que contagiava da mesma forma.
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Com a argentina Alejandra. Na dança, não há barreiras linguísticas. |
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