"Não posso perder tempo em ser gaúcha quando sou brasileira; e não posso perder tempo em ser brasileira quando sou parte do mundo”.
Elis Regina
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Usina do Gasômetro - Porto Alegre |
Há tanto tempo morando no Rio
Grande do Sul e eu ainda não conhecia a capital, só a rodoviária e o aeroporto.
Adiei conhecer essa cidade porque, como eu sempre estava por lá de passagem
para ir a Belo Horizonte, haveria um dia em que eu teria tempo para dar um
passeio. Fui a Porto Alegre (ou só Porto, como chamam por aqui) no feriadão da
Páscoa. E já fui na Quinta-feira Santa, em um ônibus por São Leopoldo, onde
resolvi passar parte do dia, mas perdi tempo. Os museus, que era o que mais
queria ver, estavam todos fechados. Eu sabia que era feriado, mas pensei que
encontrar-los-ia (uma mesoclisezinha só pra tirar uma onda) abertos, já que o
acordo mundial é de que os museus só fechem às segundas-feiras. Gosto tanto de
visitar museus porque acredito que, por meio deles, é possível conhecer muito
da história antiga e da contemporânea de determinado lugar. Não vejo museus
como lugares mortos, de coisas entediantes como “a cama onde Tiradentes morreu”
(como diz meu padrasto), mas como um espaço aberto e vivo. Para Walter
Benjamin, museus são casas e “espaços que suscitam sonhos”. “Os museus
são casas que guardam e apresentam sonhos, sentimentos, pensamentos e
intuições que ganham corpo através de imagens, cores, sons e formas. Os museus
são pontes, portas e janelas que ligam e desligam mundos, tempos, culturas e
pessoas diferentes.” (DEMU/IPHAN)
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Jardim Botânico - Porto Alegre |
Depois de perder a manhã toda caminhando sob o sol quente em
São Leopoldo, fui a Forno Alegre (outro apelido carinhoso que a capital tem), pagando só R$1,70 de metrô, e comecei minha
visita pelo Jardim Botânico, entrada R$4,00. Quando o porteiro me disse que o
museu do jardim estava fechado por causa do feriado, já comecei a pensar que só
perderia tempo durante toda a viagem. Andei pelo jardim, mas não foi uma boa
escolha. Seria melhor se eu estivesse acompanhado e fizesse um piquenique, é um
tipo de passeio mais interessante de se fazer com alguém. Dali fui para o Museu
da PUC, na esperança de encontrá-lo aberto, e tive sorte. Estava. Cheguei no
meio da tarde e fiquei até a hora em que fechou. Foram três horas no Museu e
não consegui ver metade do acervo. Ele é interativo, então leva-se muito tempo
para ver tudo. E realmente dá vontade de ver tudo, porque aborda ciências,
matemática, tecnologia, meio ambiente, antropologia, física, química. A entrada
é R$15,00 inteira. Você não achará caro depois de conhecer. Saí antes que me
expulsassem e fui ao Mercado Municipal, parecido com o Mercado Central de Belo
Horizonte, mas menos barulhento, e com duas vacas dentro. Existem vacas
espalhadas pela cidade toda, vacas que fizeram parte de uma exposição chamada Cow Parade. Foram espalhadas 80 vacas
pela cidade, cada uma feita por um artista plástico, que depois foram
leiloadas.
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Mercado Municipal |
Anoiteceu e não fui pra hotel,
nem pousada, nem albergue. Encontrei Miguel Vianna, um membro do Couch Surfing que aceitou me hospedar e
me mostrou a cidade toda na sexta e no sábado. Antes disso, fomos à Casa de
Cultura Mário Quintana e a um bar, onde os membros do Couch Surfing de Porto Alegre se reúnem toda quinta-feira à noite e
encontramos Isabel e seu charmoso e discreto sotaque carioca.
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Uma carioca, um mineiro e um gaúcho no Viaduto Otávio Rocha |
Na sexta, visitamos a Usina do
Gasômetro, um lugar cultural onde há várias exposições, performances e mostras
de cinema. Fica à beira do Rio Guaíba, onde é possível fazer um passeio de
barco de uma hora que custa R$15,00. Vimos várias pontes e ilhas, incluindo a
famosa Ilha das Flores, onde habitam seres com “teleencéfalo altamente
desenvolvido e um polegar opositor”. Conhecemos o Parque da Redenção e o Centro
histórico de Porto Alegre, onde estão prédios importantes como a Catedral
Metropolitana e o Teatro São Pedro. O melhor dia para se visitar o Parque da
Redenção é no domingo pela manhã, pois acontece uma feira de antiguidades e
artesanato.
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Antiguidade e bilhete engraçado - detalhes do Brique da Redenção. |
Também é possível passar mais de
um dia no Centro de Porto porque há um número incrível de museus e casas de
cinema. É a cidade brasileira com o maior número de salas de cinema, levando em
conta a proporção por número de habitante. Se quiser saber mais sobre a
história gaúcha, visite o Memorial do Rio Grande do Sul e o Museu de Arte do
Rio Grande do Sul (MARGS), um do lado do outro, de graça. Na verdade você não verá A
história gaúcha, mas UMA versão dela. A seguir, reproduzo o texto de um cartaz
que estava no Memorial: “O que foi, afinal, a Guerra dos Farrapos? Uma revolta
econômica, provocada pelo centralismo rapinante do império? Uma revolução
separatista e republicana, uma guerra com um ideal? Uma guerra de guerrilhas
liderada por caudilhos? Uma luta libertária conduzida por cavaleiros heroicos e
esfarrapados? Há versões para todos – basta escolher o livro certo.”
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Pôr-do-sol na Usina do Gasômetro |
A paixão e orgulho que o povo
gaúcho tem pela sua terra foi a coisa que eu mais admirei quando cheguei a esta
terra, há um ano e meio, e foi uma das coisas que mais louvei nas postagens “Os
Imigrantes” e “Celebridade”. Mas depois desse tempo todo, isso deixou de ser bonitinho
e se tornou over pra mim. A impressão
que muitas pessoas passam é de não conhecer nada além de chimarrão, polenta e
chamamé, e que as coisas gaúchas são as mais importantes do universo (às vezes,
a única coisa do universo). Em show da banda Capital Inicial que fui durante a
Festa da Uva 2012, em Caxias do Sul, Dinho Ouro Preto disse que, quando estamos
no Rio Grande do Sul, parece que estamos em outro país. Parece mesmo. Pena que
a história separatista desse estado tenha fechado os olhos de muitos e não os
deixa ver para além das fronteiras dos outros estados brasileiros, como se
aquelas linhas que vemos nos mapas realmente tivesse o poder de separar uma
coisa da outra. Essas linhas não são concretas, mas, não sei por que, conseguem barrar o horizonte de muitos. E, quando o olhar consegue passar dessa "barreira", parece os olhares destes alunos numa aldeia perdida no norte do Vietnã, que nunca tinham visto um homem europeu:
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Foto de uma foto exposta no MARGS. |