domingo, 3 de novembro de 2013

Coração Navegador

“No balanço das ondas, eu vou. No mar eu jogo a saudade, amor. O tempo traz esperança e ansiedade. Vou navegando em busca da felicidade. Em cada porto que passo eu vejo e retrato em fantasias, cultura, folclore e hábitos. Com isso refaço minha alegria.” Peguei um Ita no norte, Samba enredo Salgueiro 1993.
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Costa Fascinosa: um navio muito largo e muito longo, com o peso concentrado na base para compensar a altura. Em italiano, navio é uma palavra feminina. Por essa razão, a Costa batizou seus navios de Fascinosa, Favolosa, Serena, Fortuna e Diadema. O Costa Fascinosa tem 114.500 toneladas e capacidade para 3.800 passageiros.
Um navio de bandeira italiana.

Esquecer da vida. É isso que se deve fazer quando estiver a bordo. Nove dias sem facebook. Acha que consegue? É bom tentar, pelo menos, porque usar a lan house do navio é furada. Você paga $10,00 (dólares) a hora (!!!) ou pega a incrível promoção de $25,00 (dólares) por três horas, isso sem contar na taxa de cadastro - $3,00. Dá também para usar a rede sem fio dos Portos de Santos, Rio e Buenos Aires. Mas, cá pra nós, deixar de conhecer esses paraísos (se bem que Santos não é nenhum paraíso) para ficar preso no mundo virtual? Viva um pouco. Se bem que não dá pra ficar desconectado do mundo tanto tempo seguido. Então, toda vez que estávamos em Portobelo-SC, eu passava parte do tempo numa lan-house...
...além de dar um tchibum, claro.

A gente entra muito empolgado, mas, antes de aproveitar tudo aquilo que é oferecido, os hóspedes têm uma obrigação: no primeiro dia de embarque, é importante fazer todos os procedimentos burocráticos primeiro, que nem são tão burocráticos assim. É só comparecer a uma reunião informativa, onde te explicarão o essencial pra você não se sentir perdido, e fazer o treinamento de segurança, em que te ensinarão como se portar caso haja necessidade de abandonar o navio. Por mais fé que se tenha, é melhor se prevenir. O povo do Titanic e do Costa Concordia também achavam que nada aconteceria com eles.
Segurança em primeiro lugar.

É muita coisa pra se fazer em nove dias. Pra tentar planeja algo, antes de dormir a gente olhava as atividades do dia seguinte no jornalzinho que recebíamos na nossa cabine, com toda a programação de entretenimento muito bem explicada.
Mas o spa é só praqueles que desembolsaram uma grana extra.

Antes de morar num lugar assim, eu ficava imaginando a logística da entrada e saída de comida e materiais daquele lugar. Mesmo sabendo que o navio tinha 14 andares, na minha cabeça era pouco espaço para armazenar 3.800 passageiros, 1.100 tripulantes, mais bagagens, comida, água e esgoto desse povo todo. Como esse também era um nó na cabeça de muitos passageiros, as anfitriãs dos hóspedes davam uma palestra no teatro em que elas explicavam tudo isso pra gente. Cada funcionária dava a palestra na sua língua. Depois de ver um vídeo sobre o navio, uma apresentação de Power Point nos provou que aquilo ali era uma cidade sobre as águas. A cozinha funcionava 23 horas por dia. Ela só parava por uma hora para que fosse realizada uma limpeza profunda, e a água usada para isso era a água do mar. A água dos banheiros (até do nosso banho) também era do mar, mas ela passa por um processo de dessanilização, então a gente não tem a sensação de estar na água do mar. Só se você bebê-la, aí, sim, você sentirá um gosto meio estranho. Da água da piscina, sim, eu não gostava, porque não passava por esse processo, e ainda por cima tinha cloro. Se água do mar já não é muito gostosa por causa do sal, imagina com cloro junto. Só entrei na piscina duas vezes durante os mais de dois meses que fiquei a bordo.
Mas aproveitamos bem essas poucas vezes.

A cozinha não funcionava 24 horas, mas havia refeição 24 horas, só que das 2h às 6h tínhamos de chamar o serviço de quarto, que cobrava $2,50 (dólares) por chamada telefônica. Das poucas vezes que precisamos, fizemos assim: reunimos todos em um quarto e realizamos uma chamada pedindo um sanduíche pra cada um, mais iogurte, fruta, etc, e uns dez copos de suco de laranja. No café da manhã, tinha de tudo e pra todos os gostos: desde frutas frescas, iogurtes, muesli, vários tipos de cereais, para os que têm Solange Frazão way of life, até bacon, ovos, panquecas para os que levantavam tarde e não sabiam se queriam tomar café ou almoçar.
Com essa mordomia toda, não tinha como fazer cara de bunda.
No almoço, era oportunidade de comer tudo o que não tinha em casa: frutos do mar, peixes e massas de todas as maneiras possíveis, e até coisas típicas de outras nacionalidades, como a paella. Para a sobremesa, três sabores de sorvete e vários tipos de bolo. Com tudo isso, eu não conseguia entender como algumas pessoas preferiam servir-se de batata frita e hambúrguer.
Eu não sabia por onde começar.
À tarde, mais guloseimas para beliscar: bolos, pães, saladas, pizzas. O jantar era o melhor momento. Entrada, caldos (doces e salgados, quentes e frios), massas, prato principal, sobremesa, e tudo isso com opção para vegetarianos. Cada coisa... de ver Deus!
E, ainda por cima, num ambiente luxuoso.

Nunca se via alguma coisa com defeito. Se algum funcionário percebia que tinha um rasgo em alguma poltrona, ou algum parafuso a menos em algum lugar, uma mancha sequer, já comunicava à marcenaria, e a peça era consertada ou substituída. O mesmo se passava com os uniformes. Um fio solto e já era mandado pra costureira. Tudo tem de ser impecável.
Às vezes, a gente até se esquecia que estava ali a trabalho.
Os passageiros sempre falavam em visitar a Rua Florida, em Buenos Aires, pra fazer compras. Mas nem precisava esperar chegar lá para gastar dinheiro, pois até shopping há a bordo. Mas o que eu aconselho é não ir comprando tudo logo de cara, porque nos últimos dias do cruzeiro eles fazem promoção de relógios, joias Swarovski e das fotos. Que fotos? É que, pra fazerem você gastar mais dinheiro, os fotógrafos tiram fotos sua na noite de gala, no coquetel do comandante, na piscina, no restaurante, no vaso sanitário e cobram o olho da cara. Aí, nos últimos dias, para convencer aqueles que não gastam tanto dinheiro como os outros, eles dão um grande desconto para você comprar suas fotos. Se, depois disso, você achar que ainda não gastou dinheiro o bastante, vai pro cassino.
Eu preferia aproveitar a diversão grátis.
A diversão noturna atende a todos. Há bares com diferentes tipos de música: de dança de salão, pop rock, música brasileira, música argentina, voz e violão, voz e piano. Sente-se ou dance no ambiente que agrade mais os seus ouvidos. A única coisa que eu não aproveitei e não me arrependo foi o tum-tchi-tum da boate. Abria por volta das 22h e só fechava quando a última pessoa ia embora. Pense: eu já dançava o dia inteiro, acompanhava as senhoras nos bailes das 21h30 às 2h, e ainda iria pra boate depois disso? Só se eu tivesse problema de cabeça, como alguns colegas de equipe, que não perdiam uma balada. Se você for contra essa perdição toda, vá curtir a capela, que fica aberta 24 horas. Há uma missa por dia, no início da noite.
Eu terminava o dia acabado.

Se, ao escolher um cruzeiro, você achar que não vale a pena porque já conhece todo o roteiro, pode visitar alguma cidade da redondeza, sem se preocupar em perder o navio porque a bordo há um serviço de turismo que oferece várias opções de excursões, pagas à parte. Quem viaja com rabo, quer dizer, com filhos, pode curtir a viagem com alguns momentos de privacidade, porque o serviço de animação infantil fica responsável pelas crianças, inclusive à noite. Também há playground e piscinas infantis e um serviço de animação voltado aos adolescentes.
A gente fica com vontade de fazer tudo.

Quase me esquecendo: de tudo que aprendi, o mais útil pra minha vida será as várias formas de dobrar toalhas e guardanapos. Na programação de entretenimento, há um curso sobre a arte de dobrar guardanapos, outro sobre a arte de dobrar toalhas, e outro sobre nós de marinheiro.

A decoração desse barco, especificamente, era baseada no cinema italiano, então os elevadores eram decorados com imagens de filmes e as dependências do navio tinham nome de filme, por exemplo, Teatro Bel Ami, e Bagdá Café. Uma coisa muito apropriada, porque, a vida no navio, é fascinosa, encantadora. Em terra firme, é outra história.
Contagem regressiva pro fim da vida de marinheiro. Realidade à vista!

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