segunda-feira, 1 de maio de 2023

Contos de Verão

"Garçonetes nuas flertam com você / A verdade nua sobre nossas garçonetes é o fato de elas flertarem com você só pra receberem melhores gorjetas".

Duas frases numa só. Ao final do texto você entenderá.

Rua que reúne as mais belas casas de Riga

 

Depois de tomar café naquela manhã fresca e ensolarada de 23 de junho de 2019, quis visitar o Museu da KGB , mas estava fechado, então entrei na Igreja de Santa Gertrude (padroeira dos viajantes), que é linda por fora e por dentro. KGB é uma sigla russa que, traduzida, significa “Comitê de Segurança do Estado”. Foi criado durante a União Soviética, então, espera-se que só se encontrem histórias tristes e revoltantes. Um pouco depois descobri que a cidade estava em feriado, o que explicava alguns estabelecimentos fechados, o que foi bom também, porque eu pude aproveitar o clima agradável e alegre que fazia ao ar livre.

A arquitetura de Riga é instigante e o mapa turístico até menciona uma rua que é visitada simplesmente pelo visual de suas casas – é o quarteirão art nouveau. Eu o visitei duas vezes porque achei que as casas eram realmente bonitas. Tem também o Museu Art Nouveau, que não visitei. 

Riga tem uma arquitetura linda...
... e curiosa.

A poucas quadras desse museu e da igreja está o terminal de cruzeiros, aonde fui apenas por curiosidade em saber que navio estava ali atracado. Como já viajei em três, sempre olho pros portos naquela esperança de talvez rever uma dessas minhas antigas “moradias”. Nunca as encontro, mas não perco a esperança. Mas a caminhada valeu, porque passei por parques, observei as casas e peguei o bonde número 11, que atravessou a cidade toda até finalizar sua trajetória em frente ao zoológico. Dispensei a visita ao zoológico e caminhei pelo parque que está ao lado dele.

Prédio Balasta Dambis e Ponte Vansu, parte moderna de Riga.

Quando me dá sede e estou viajando, sempre tenho uma garrafa d’água que encho com água gratuita seja do hotel ou de algum parque ou qualquer bebedouro em que seja possível. Quando a única saída é tirar dinheiro do bolso pra comprar bebida, aí eu prefiro experimentar alguma coisa que nunca vi no Brasil, como a Fanta de melão, melancia e carambola - três sabores em uma. Provei dela e achei muito bom, mesmo sabendo que refrigerante não é algo saudável.

Blackheads House e Praça da Prefeitura.

O Centro histórico de Riga não tem as quadras quadradinhas, como se vê em cidades planejadas. Então, ao caminhar por ele, a gente vai cruzando e descruzando por várias ruas, às vezes estreitas, às vezes mais largas, que podem ou não terminar numa praça. Numa dessas andadas, saí na Igreja de Saint James, que não conheci por dentro, mas gostei muito porque me pareceu ser o ponto mais alto da cidade. Foi até difícil achar um ângulo pra fotografar.




Seguindo a caminhada, escutei um tango, que parecia vir do terceiro ou quarto piso de um prédio. Achei o volume um pouco alto pra uma pessoa estar simplesmente ouvindo aquela música e aquilo me intrigou. Encontrei a entrada do prédio e descobri que acontecia uma milonga (baile de tango), que já estava no fim. Mesmo assim, ainda deu pra dançar um pouquinho, eles nem me cobraram a entrada. Um casal se apresentou a mim e disse que eles eram um grupo de amigos que costuma viajar uma vez por ano pra algum lugar da Europa pra dançar tango e quase todos eles gostam de dançar os dois papeis (o de condutor e o de conduzido).

Kronvalda Park.

Das duas vezes em que estive na Europa era verão e, pela minha estadia em Riga e lembrando de outras coincidências em outras cidades, comecei a pensar que talvez essa seja a melhor estação pra se conhecer um país europeu, não só pelos dias de luz do sol mais longos, pela facilidade de locomoção e por não precisar carregar tanta roupa. E quase sempre eu me deparo com algum festival de alguma coisa, gratuito, quando estou numa cidade europeia. Talvez porque o inverno rigoroso obrigue todo mundo a ficar muito tempo confinado e aí, quando é verão, eles ficam enlouquecidos e querem muito sair, como se estivessem em quarentena... Em Riga, foi assim. De repente vi uma multidão reunida numa praça com três palcos com atrações diferentes, duas grandes fogueiras e várias barracas vendendo comida. Os homens usavam um ramo de carvalho ao redor da cabeça, e as mulheres, flores. Até achei que era festa junina, porque parecia MUITO com uma. Tudo muito animado e, mesmo que eu não entendesse nada das músicas cantadas em letão, eu estava gostando de todas.

Festa Junina letã.

No outro dia, conversando com um senhor num parque, mesmo parque onde foi proclamada a independência da Letônia, ele contou que a festa é simplesmente pra comemorar o solstício de verão, dia mais longo do ano. Falou também que Dia de São João é um feriado católico, então a festa também tinha a ver com isso. Logo, eu estava parcialmente certo ao ter desconfiado de uma festa junina. Ele disse também que o ramo de carvalho dos homens significa força. As flores das mulheres eram apenas porque é nessa época que as flores começam a florescer.

 

Mas nem tudo são flores e ele contou umas histórias tristes de quando os russos foram embora da Letônia. Disse que levaram tudo o que podiam das casas onde moravam e, o que não puderam levar, destruíram – uma dessas histórias que eu não entendo direito, já que não conheço quase nada nem do regime soviético nem dos países bálticos. Mas, baseando-me nas conversas que tive com pessoas locais e guias de turismo, a ditatura soviética não me pareceu algo muito bom, embora também existam pessoas que gostassem dessa época.

Vista panorâmica do último andar do Hotel Radisson.

De novo digo que nem tudo são flores, porque eu caí num golpe de bêbado. Aconteceu no quarteirão art nouveau de ele se aproximar de mim, mostrando um bilhete de estacionamento, explicando que precisava de 0,85EUR pra pagar o parquímetro e ele estava sem dinheiro porque as regras do estacionamento tinham mudado e não sei o quê... Só que, no mesmo dia, à tarde, num outro local, ele tentou aplicar o mesmo golpe em mim. Eu comecei a rir e disse: “Não vou ajudar.”. “Por quê?” “Porque eu já te dei dinheiro hoje de manhã.” Ele riu sem graça e eu fui embora impressionado como até os bêbados golpistas na Europa falam inglês fluente, mas, no Brasil, não. Pelo menos ele tinha dado a dica de ir até a cobertura do Hotel Radisson pra se ter uma visão panorâmica da cidade grátis. Eu fui, olhei o que podia, usei o banheiro, tirei fotos e saí sem gastar nada no bar que fica no 26º andar do hotel. É só chegar. Lembre-se dessa dica também. E o elevador também é panorâmico.

Banheiro masculino do Radisson.

Foi ótimo ter estado em Riga por três dias, sendo que dois foram de comemoração. Tinha pontos turísticos fechados, mas compensou muito por eu ter participado de dias tão animados de festas e não ter precisado pagar o bonde – por causa do feriado, o uso do transporte público foi liberado.

Monumento à liberdade.

 Última historinha, antes de acabar: já viram aquelas chaleiras elétricas, que a gente liga na tomada e aquecem a água super rápido? Não sei o que deu no meu "célebro" quando estava em Riga, mas eu queria esquentar a água do apartamento Airbnb onde fiquei hospedado e, em vez de colocar aquela chaleira com fundo de plástico na tomada, eu coloquei no fogão normal. De repente comecei a sentir um cheiro de queimado e vi que eu é que era o master chef responsável pelo incêndio. O fundo da chaleira estava derretido, o apartamento cheio de fumaça e o alarme de incêndio começando a tocar. Querem imagens? 

Nessa hora, eu já tinha raspado todo o plástico grudado no fogão.

Alguns preços de junho de 2019, época em que um euro era quase cinco reais:

Café da manhã num lanchonete perto da Igreja de Santa Gertrudes (duas focaccias, café gelado e um café com leite) – 10EUR.

Fanta de melão, melancia e carambola – 0,89EUR.

Prato de cogumelo, vagem, cenoura, batata frita com molho na barraca do festival – 5EUR.

Coqueteis no bar do 26º andar do Radisson – a partir de 10EUR.

Ônibus de Vilnius a Riga (empresa Lux Express) – 9EUR.

Ônibus de Riga a Tallin (empresa Eco Lines) – 16EUR.

Corrida de aplicativo Yandex de quase 2km – 2,8EUR.

Qual das duas versões da frase você prefere?