quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

As Asas São Para Voar

"Voar não é perigoso. Perigoso é cair."
Frase de parachoque de avião.
Saindo de Guarulhos-SP, o primeiro aeroporto da minha vida.

Sou apaixonado por aeroportos, mesmo quando enfrento atrasos de seis horas, relato que está mais detalhado no texto “Sol de Verão”, de junho de 2011. O aeroporto de Porto Alegre já é sinônimo de hotel pra mim. Depois que dormi nele pela sexta vez, parei de contar. Entre 23h e 5h não há ônibus que vá de Caxias do Sul para Porto Alegre e vice-versa, e a maioria dos voos que tomo estão próximos desse horário. Assim, N vezes cheguei  lá e já não podia ir pra Caxias, e N vezes saí bem antes, porque meu voo saía de POA cedo na matina. Ao menos lá tem uma livraria 24 horas, um saguão de exposições e um terceiro piso com uma sala de TV e um cantinho silencioso e escuro, onde dá pra tirar um cochilo, depois de muito custo achar uma posição (des)confortável naquelas poltronas. Desculpe, leitor, deu pra entender o que é POA? Se não, é porque você não tem tanto costume de voar. POA é o código do aeroporto de Porto Alegre. Enquanto lê esse texto, mostrarei a você alguns dos códigos de três letras que os aeroportos têm.
Obra que o artista Hugo França fez com uma árvore morta - POA

Não sei o porquê de gostar tanto de terminais de voo, onde o normal são pessoas (inclusive eu) ficarem exaustas de tanto esperar – um lugar tão relacionado a despedidas e ao medo que tanta gente (até Justin Bieber) tem de voar. Esse problema eu nunca tive, nem no meu primeiro voo, que foi de Guarulhos (GRU) a Nova York, em 2008. E adoro turbulências e todo o resto. O chacoalhar do avião; o solavanco que a gente leva ao aterrissar; a pressão do corpo contra o encosto do assento ao decolar; os biscoitinhos, que, ultimamente, têm deixado de ser “grátis” para serem cobrados por preços tão absurdos quanto aos de qualquer comida vendida em qualquer aeroporto; as demonstrações de segurança realizadas pelos comissários, e seu inglês à la Joel Santana; a leitura das revistas de bordo bilíngues, tudo isso me fascina. Meu único incômodo é a pressão nos ouvidos. Com tudo isso, qual é a graça de se andar de ônibus? Meu amigo Ian Guest diz que quem gosta de viajar de avião é porque não tem tesão de viajar. Desculpa, Ian, mas eu não troco isso tudo por aquela imundície tão típica de qualquer rodoviária. Se bem que é legal observar as cidades e as paisagens por onde o ônibus passa. Mas de avião dá pra ver isso tudo de cima, de uma perspectiva que me faz sentir mais voyeur, praticamente um Big Brother, porque parece que todas aquelas pessoas e carros que se movem lá em baixo ignoram totalmente a minha ausência (e ignoram mesmo!).
Vista aérea de Buenos Aires - Argentina
Quase pousando em Assunción - Paraguai
O aeroporto de Montevidéu não te lembra Oscar Niemeyer?

Vista de Ushuaia (USH) - Argentina

Nem mesmo as viagens longuíssimas que já fiz deixaram de ser divertidas. Em janeiro desse ano, um voo POA-EZE, que, se fosse direto, deveria durar uma hora, durou seis, porque o avião saiu de POA, parou no aeroporto de Curitiba (CWB), que na verdade fica em São José dos Pinhais, depois foi pra Assunción (ASU) e só depois para Buenos Aires – EZE é o código do aeroporto de Ezeiza. Bem, fazer o quê, se é pra pagar mais barato, né? Situação semelhante eu e a Companhia Municipal de Dança de Caxias do Sul passamos para ir de Caxias (CXS) a Uberlândia (UDI) em novembro. Saímos de Caxias às 15h30, descemos em Curitiba, tomamos outro voo para Belo Horizonte (CNF), que tem um aeroporto na Pampulha (PLU), mas o principal fica na cidade vizinha de Confins, e só depois descemos em Uberlândia, quase às 2h. Pra voltar, um pouco menos de trabalho: de Uberlândia a Congonhas (CNG)-SP, e de lá a Caxias, tudo isso em três horinhas, apenas.
Uberlândia - MG, toda quadradinha.

Com a Cia de Dança em Congonhas - SP

Alguns voos mudaram minha vida. Os dois primeiros, quando fui aos EUA e voltei, nem preciso dizer o quanto essa mudança me transformou. Os outros dois são o meu quinto voo, quando fui de mudança para Caxias do Sul, e o último, será amanhã, quando deixarei de morar aqui e enfrentarei quase um dia de viagem. Sairei daqui a algumas horas, às 2h45 e acho que chegarei a Mariana-MG umas 18h, tempo esse dividido entre dois voos e três ônibus. Saí de Minas há dois anos deixando tanta gente querida pra trás e uma terra maravilhosa para encontrar a mesma coisa (gente maravilhosa e uma terra querida) no Rio Grande do Sul, de que já me despedi e onde quero pousar novamente um dia, se o sol não derreter as minhas asas.
Aeroporto Internacional John Fitzgerald Kennedy (JFK) - Nova York

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Uma Semana de Vida

"Somente o homem possui a capacidade de elaborar imagens de coisas ausentes, utilizando essas imagens nas mais variadas situações também imaginárias. Um objeto observado pelo olho pode remeter a outras imagens formadas a partir do olhar, o qual não é limitação da percepção do objeto em suas características físicas imediatas; o olhar é ir além, é captar estruturas, é interpretar o que foi observado."
Zamboni, inventor
Vista do Parque Tanguá.
Cheguei à rodoviária de Curitiba umas sete da manhã, ou um pouco depois disso. Um ano antes, desembarcava no aeroporto de São José dos Pinhais. Agora, ia de ônibus, por R$90,00 saindo de Caxias do Sul, em oito horas de viagem, o que foi bom porque deu pra ir dormindo. No ano passado, fui de avião por não procurar informação mesmo, por burrice. Apenas pensei: “Curitiba está a dois estados pra cima, é melhor ir de avião”. Ponto. Estipulei o que era melhor sem procurar saber de outros meios. Só agora percebi a burrada que fiz no ano passado. Paguei mais de R$100,00 na passagem de avião, mas saindo de Porto Alegre, praticamente de madrugada. Resultado: Ainda tive de pagar mais R$30,00 do ônibus de Caxias a Porto, saindo no dia anterior ao voo, dormir no aeroporto, devido à incompatibilidade de horários de ônibus de uma cidade a outra, pegar o voo cedíssimo e desembarcar em São José. Ou seja, a viagem de avião ficou mais cara, mais cansativa e mais longa do que se eu tivesse pegado um ônibus.
Reservatório do Alto São Francisco (em primeiro plano).

A razão que me levava pela segunda vez a Curitiba não era o turismo, nem neste ano, nem no ano passado, mas a oportunidade de me aperfeiçoar na minha profissão. Em 2011, fiz uma audição no Balé Teatro Guaíra e fui eliminado logo de cara. Agora, fiz uma audição para trabalhar na equipe de dança de salão da Cia Theo & Mônica a bordo de um navio do Grupo Costa Cruzeiros, e fui aprovado. Por acaso, descobri um curso de capacitação para professores de dança de salão ministrado na unidade curitibana Oito Tempos Escola de Dança que seria nos cinco dias seguintes ao dia da seleção.
Lago do Parque Barigui. Ao fundo, entre as árvores, a Torre Panorâmica.

A audição era no domingo de tarde, então ainda dava pra ser turista por algumas horinhas, na parte da manhã. Comecei pelo estádio do Atlético Paranaense, mas dei com a cara na porta, porque o estavam reformando para a Copa do Mundo. Então peguei um ônibus (falei na outra publicação sobre Curitiba e repito: é muito fácil andar de ônibus lá, ainda mais que, aos domingos, a tarifa é R$1,00) e fui para o Parque Barigui, buscando preencher a lacuna de pontos turísticos que não consegui conhecer na vez anterior. Esse parque é um lugar perfeito para caminhadas e pedaladas, na pista que circula um imenso lago e que passa ao lado de um centro de exposições. Por R$20,00, vi réplicas de gesso de esculturas de Michelângelo.
Museu do Automóvel.

Depois, tomei um caldo de cana e paguei R$5,00 para uma visita ao Museu do Automóvel, que fica na frente, e que dá pra ver em 15 minutos se o seu interesse por carros for tão pouco quanto o meu. Fui mais porque estava num momento turista e não queria ir embora com a sensação de ter visitado pouca coisa na cidade. Eu sempre faço isso. Às vezes visito lugares pelos quais nem tenho tanto interesse, mas é porque não suporto a sensação de ter deixado alguma coisa “pendente” pra trás. Melhor me arrepender de ter ido do que de não ter ido. É como se eu tivesse a obrigação de ter de ir ali, já que sou turista.
Mirante do Belvedere e ruínas do que seria a Igreja de São Francisco, obra inacabada.

Penso que ainda preciso voltar, porque há ainda muito o que se conhecer em Curitiba. Minha meta da terceira visita é fazer o tão elogiado – e caro – passeio de trem à cidade de Morretes. Não ir a determinado lugar, para mim, é como deixar de fazer o dever de casa. Deve ser um tipo de TOC de peregrino.
Com Gisele e Nalu jantando no Café Mafalda, perto do Teatro Guaíra.

Passado o domingo, aí, sim, comecei a me sentir mais pertencente ao lugar. De segunda a sexta foi meu curso na Oito Tempos. Que bom que o membro do Couchsurfing John me hospedou. Conversar com ele foi uma aula de Inglês e Geografia. Essas amizades que faço com pessoas a princípio desconhecidas são a melhor parte da filosofia Couchsurfing, que vários amigos meus pouco compreendem e que minha mãe, então, acha absurda. Lá pela quarta-feira, depois de três dias tendo a mesma rotina – acordando cedo, saindo da mesma casa, indo pra mesma escola, indo almoçar no mesmo bairro, pegando os mesmos ônibus – a sensação de ser turista desaparecia um pouco e a familiaridade já me dava a impressão de estar morando ali. Mas aí eu via uma lojinha vendendo ímãs de geladeira ou chaveiros com imagens  da Ópera de Arame ou dos ônibus biarticulados grandões e o comportamento de “turista japonês” vinha à tona. Aí eu saía à noite para alguma casa de forró como a Sociedade Treze de Maio e os curitibanos se misturavam com os forasteiros e eu não sabia de mais nada.
Flagra: Duas tartarugas namoram no zoológico do Passeio Público.

Meu amigo Ian cooorre dos pontos turísticos. Eu não corro, mas confesso que há um tipo de turismo bem mais interessante, quando não existem planos rigorosos sobre o que se vai visitar ou conhecer, quando o nosso olhar está bem mais atento às sutilezas do lugar e à vida cotidiana daqueles que ali habitam em vez de mirarem uma estátua grande de não sei quem no meio de uma praça.
Flagra 2: Crianças pensando em como recuperar a bola que caiu no lago do Parque São Lourenço.
É bom voltar pra casa com mais sensações, divagações, experiências e amizades, e com menos fotos na câmera digital. Quer dizer que agi mais como um nativo do que como estrangeiro.

sábado, 27 de outubro de 2012

Moinhos de Vento

"O coração do homem é como um moinho, que trabalha sem parar. Se não há nada para moer, corre o risco de se triturar a si."
Martinho Lutero, sacerdote.
Ana, Alessandra, Carmen e eu pedindo forças aos céus para subirmos a Escadaria da Fé, em Antônio Prado-RS.
Dizem que ferreiro, sapateiro são profissões que logo acabarão. Acredito nessa possibilidade, mas deixo de pensar assim quando conheço pessoas como as que conheci neste mês em Antônio Prado a 184 km de Porto Alegre. Por apenas R$15,00 um passeio de duas horas de duração me levou a um moinho de três andares e mais de 100 anos de idade. Quando digo que o moinho tem três andares, não quero dizer que o tamanho da roda corresponde a um prédio de três andares, mas que a maquinaria toda ocupa três andares da casa. A roda, que gira pela força da água, fica do lado de fora. A mantenedora do local, Dona Catarina, uma senhora de mais de 60 anos, com problemas nos joelhos e com aquele sotaque de italiano que ora eu acho bonito ora eu acho engraçado nos explicou como ele funciona. Mas eu já não me lembro mais de nada. Era tanta coisa funcionando ao mesmo tempo, batendo, subindo, descendo, saindo, entrando, girando, que era difícil perceber onde tudo começava e terminava. A história que realmente ficou foi a de duas crianças que brincavam no local sem medo algum de alguma correia se soltar, ou de caírem na água: um dia, batendo a mão na correia do jeito que fazem no vídeo abaixo, esta se soltou. Levaram uma mijada da tia (no Rio Grande do Sul, quer dizer levar xingo, levar um pito) porque tiveram de desligar a máquina e encaixar a correia de novo):

A segunda parada foi na Ferraria dos Marsílio, onde também havia peças em madeira, o que me fez concluir que, em casa de ferreiro, o espeto também pode ser de pau. Seu Marsílio também gosta de contar histórias enquanto trabalha. Mas a veracidade de seus “causos” deixa a desejar:

Esses dois pontos turísticos de Antônio Prado, embora sejam locais familiares, recebem apoio por parte da prefeitura. Mesmo assim, uma contribuição de R$2,00 é bem-vinda. Se você se interessou mais pelo moinho do que pela ferraria, pode encontrar um também em Nova Petrópolis, a 100 km de Porto Alegre e sair de lá se sentindo o próprio Dom Quixote. A terceira e última parada desse passeio foi a Agroindústria Pérola da Terra, que trabalha com produtos orgânicos, sem qualquer tipo de agrotóxico. A proprietária nos explicou que “Pérola da Terra” pode parecer um nome bonito, mas, pra quem conhece, não é. Pérola da terra é o nome de uma praga que ataca raízes de plantas cultivadas e silvestres. A empresa consegue controlá-la com compostos sem uso de agrotóxico. Compre o suco de framboesa deles, é o melhor.
Igreja Matriz de Antônio Prado.

Antônio Prado tem o maior acervo arquitetônico italiano do Brasil, mais de 40 casas tombadas pelo Iphan, é patrimônio nacional, mas não recebe nem a quinta parte dos turistas que preferem ir a Gramado ou Canela. Por causa dessa característica única, o local serviu de locação para o filme O Quatrilho. Para o turista ainda resta conhecer museus, cascatas e igrejas. Uma vez por ano, acontece a Fenamassa, um evento de louvor ao macarrão. Bem, pra nós, do sudeste, tudo é macarrão. Mas, aqui, não. Macarrão é um tipo específico de massa, assim como agnoline, tortéi, capeletti, nhoque, lasanha, fusili, etc., etc., etc. Na feira, que durou dois finais de semana neste ano, há apresentações de dança, música e teatro, oficinas de culinária, e muita degustação. Mesmo com tanta coisa interessante no interior do Rio Grande do Sul, é uma pena que os turistas só queiram saber de Gramado.
Prédio que abriga o Moinho Rasche, em Nova Petrópolis.
Nova Petrópolis está entre Caxias do Sul e Gramado e dá pra se conhecer em um dia, outra boa opção de parada, caso você esteja na Serra Gaúcha. Com apenas R$5,00, você entra no Parque Aldeia do Imigrante e revive a colonização alemã na cidade. Construções antigas de capela, escola e cemitério podem ser visitadas por dentro e por fora. Mas o mais interessante na cidade é de graça, o Moinho Rasche, prédio de quatro andares que ocupa uma grande máquina que percorre todos os andares. Só que, aqui, o sotaque do anfitrião é alemão, uma delícia de se escutar também.
Uma das antiguidades no Parque de Nova Petrópolis

No meio do caminho, visite a Loja Kukos, de relógios dos mais variados tipos e tamanhos, mas visite apenas de curiosidade, pois, pra se ter uma ideia, há relógios lá que chegam a custar R$35.000,00:
Incline a cabeça pra direita. Não consegui virar a foto.
Deixe pra visitar a cidade também em outubro, que é quando acontece o Festival da Primavera. Nova Petrópolis é famosa por seus belos jardins e flores. É conhecida como o Jardim da Serra Gaúcha.
 

 

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Água na Boca

"... Assim também vós estais sem entender? Não compreendeis que tudo o que de fora entra no homem não o pode contaminar, porque não lhe entra no coração, mas no ventre, e é lançado fora? Assim declarou puros todos os alimentos."
Jesus Cristo, Marcos, 7:18-19.
Eu, Carmen, Pedro e Carolina no Restaurante Sbornea's.

Moro na Serra Gaúcha há dois anos e mesmo assim estou sempre redescobrindo esse lugar. O meu estômago é quem costuma chefiar essas expedições de redescobertas. O que eu mais aprendi nesse lugar é saborear uma comida bem feita, a ter uma alimentação de qualidade, a valorizar cada grão de arroz que me é posto à mesa, e a reconhecer um povo pelo que ele come. Aqui não faltam opções de restaurantes italianos e churrascarias, principalmente, com buffet livre ou a quilo, sem contar os restaurantes de comida chinesa, japonesa e vegetariana. Quase todo final de semana, pra mim, é uma oportunidade de o meu paladar re-conhecer essa terra saborosa. Na região colonial de Bento Gonçalves, um rodízio incrível de comida típica é possível de se encontrar no Restaurante Sbornea’s, no Vale dos Vinhedos. Sopa de agnoline, grôstoli e polenta frita são minhas coisas favoritas. Todo tipo de massa aqui no sul é deliciosa. Eu nunca tinha ouvido falar de agnoline (o mesmo que capeletti), tortéi e outros tantos tipos de massa, porque várias delas só existem em terras gaúchas mesmo. Uma vez eu ouvi alguém esquecer do nome tortéi  e descrevê-lo como “pastelzinho de jerimum”, porque essa massa tem um formato quadrado e recheada com abóbora. Uma das minhas favoritas. Todas são minhas favoritas.
Entrada da vinícola Luiz Argenta.
Um brinde na Vinícola Salvador.

Nem só de comida eu vivo aqui, de bebida também. Em Flores da Cunha, maior produtora de vinhos do país, conheci duas vinícolas fantásticas, impossível dizer qual é a melhor, pois cada uma tem seu diferencial. A Luiz Argenta impressiona com tanta tecnologia, com seu terreno enorme com os parrerais dispostos de forma alinhadíssima e com um prédio de desenho futurista ao lado do antigo prédio da vinícola, belíssima vista. A Vinícola Salvador é menor, mas mais aconchegante, e você é recepcionado pelo proprietário e sua esposa. Nesse caso, as palavras do guia têm outro valor, pois tudo ali tem grande valor sentimental para ele. Mas nas duas você conhece todas as etapas da produção dos vinhos. O vídeo abaixo mostra apenas uma delas, a de como as uvas são separadas dos cabos, filmado na vinícola Salvador.

Pra cair na esbórnia de verdade, o melhor é vir em época de alguma festa típica. Na publicação do mês passado, falei da Festiqueijo, em Carlos Barbosa, que é sempre em julho. No mesmo mês, em Caxias do Sul, acontece a Festa do Vinho Novo, mas só de dois em dois anos, igual a Festa da Uva, que é em fevereiro. A Uva e o Vinho são tão mais cultuados pelo povo daqui que o Carnaval é praticamente inexistente, tanto que vários estabelecimentos ignoram esse feriado. Tem comércio que abre as portas na terça-feira de Carnaval. Festa de verdade, pra eles, é a Festa da Uva, com desfiles de carros alegóricos, concurso de princesa e rainha da uva, parques de exposições com tudo quanto é tipo de uva exposta, e até pastel de uva para experimentar. A fonte da principal praça de Caxias recebe um corante roxo, pra dar a aparência de que jorra suco de uva, e o principal jornal da cidade, é impresso com aroma de uva durante dias. Surreal. Em Caxias e em São Francisco de Paula, também há a Festa do Pinhão, sempre em junho. Tive a honra de participar do desfile cênico-musical da Festuva deste ano, com a Cia Municipal de Dança de Caxias do Sul:
Foto de Juan Barbosa.

A Fenakiwi em todo mês de maio, em Farroupilha; a Festa do Figo é em fevereiro, em Nova Petrópolis; a Femaçã é em abril, em Veranópolis; e a Fenavinho é na mesma época, mas em Bento Gonçalves. Essas duas últimas festas são a cada dois anos. O formato é parecido com a Festa da Uva – concurso de princesa e rainha, exposição das frutas e parque de exposições com diversas receitas tendo essas frutas como ingrediente principal, mas nenhuma festa ganha da Festuva em fama e projeção. O preço de entrada para essas festas têm a mesma média, variando de R$5,00 a R$10,00. Em Veranópolis, terra do ator José Lewgoy, há uma torre de aproximadamente 80 metros de altura de onde você consegue avistar Caxias do Sul e Bento Gonçalves, pagando R$5,00. No alto desse mirante há também um restaurante giratório, que leva duas horas para completar um giro de 360 graus. Visite também o Museu da Cidade (Sociedade Alfredo Chaves).
Torre  Mirante da Serra, em Veranópolis.

Quando visitei a Fenavinho, no ano passado, aconteceu uma história curiosa. Passei a tarde na festa e me programei para voltar para Caxias no último ônibus do dia, que saía às 21h30 de Bento. Ao chegar à rodoviária, fui informado de que o último horário, na verdade, era às 21h. Só que não era isso que o quadro de horários que estava ali na rodoviária, na minha frente, estava dizendo. Bem, procurei um hotel barato, paguei R$42,00 por um quarto individual, sem banheiro ou TV, mas com café da manhã, e, no dia seguinte, fui atrás do responsável pelo erro de informação, que seria a empresa de ônibus. Contei ao responsável o meu caso, pedi reembolso do que gastei com a diária do hotel, eles admitiram o erro e me pagaram os R$42,00. Simples assim.
Fenakiwi: pena que esses são de mentira.
Outra curiosidade: algumas frutas são pronunciadas de maneira diferente no Rio Grande do Sul. Caqui e Kiwi aqui são paroxítonas e o w dessa última tem som de v. Assim, não estranhe se ouvir cáqui e quívi.

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

O Rei do Gado

Não quero faca, nem queijo. Quero a fome.
Adélia Prado, escritora.
Fui muuuito bem recebido em Carlos Barbosa.
 
Só quando cheguei a Carlos Barbosa, a 99 quilômetros de Porto Alegre, naquela manhã de domingo do mês de julho me lembrei de que meu dinheiro não seria suficiente para pagar o ingresso da Festiqueijo, R$55,00. Mais salgado do que todos os queijos o valor desse ingresso, não? Mas vale a pena porque você pode comer toda qualidade de queijo, salame e produtos coloniais e ainda ganha uma taça para beber todos os vinhos que quiser. Salame e queijo normalmente é comida barata, mas, na feira, há também os queijos mais caros. E pra quem costuma pagar o valor acima em uma garrafa de vinho e bebê-la sozinha, vale muito a pena, porque lá você pode beber de todos os vinhos, de várias vinícolas da Serra Gaúcha, à vontade, durante as 12 horas de festa. Isso se você agüentar ficar de pé esse tempo todo e tiver estômago de cabrito. Os organizadores não deixam assentos no salão, assim as pessoas tendem a ir embora logo e dão menos prejuízo. Ainda bem que eu fui sabendo disso, então já tinha o seguinte plano arquitetado: entrei no salão, comi e bebi a tudo o que tinha direito, fui para o banheiro, forrei a tampa do vaso com jornal e fiquei ali sentado e descansando, enquanto lia uma revista que tinha levado para passar o tempo, esperando sentir fome novamente. Só que foi difícil sentir vontade de comer novamente com os sons que meus ouvidos testemunhavam naquele banheiro. A cada dez minutos, ou menos, sem exagero, entrava alguém num dos toaletes ao lado do meu e vomitava tudo o que tinha comido na festa e o fígado junto. Ainda bem que só a sinfonia chegava até mim, e não os aromas. Depois de duas horas de leitura e de música para meus ouvidos, voltei para o segundo tempo de comes e bebes, mas não foi simples assim. O tipo de comida lá servida leva muito tempo para ser digerida. Embora tivesse vontade de comer o suficiente a mais do que R$55,00, comi pouquíssimo dessa vez, porque não queria me juntar à orquestra gastrointestinal.

Vacas iguais às da Cow Parade alegram todo o centro de Carlos Barbosa.

Do lado de fora, a caminho da rodoviária, vacas de todos os tipos decoravam a cidade. Só que eu estou mudando de assunto sem concluir o início da história. Bem, eu cheguei a Carlos Barbosa com R$54,00, sendo que, desse valor eu ainda precisava tirar R$7,00 para pagar o valor da passagem de volta a Caxias. Perguntei ao funcionário da rodoviária onde havia um banco Itaú e ele me respondeu: “Aqui não tem Itaú”. Na minha conta do Bradesco eu tinha centavos. Pensei: “Não é possível que terei de voltar pra casa sem ter entrado na festa, gastado R$14,00 de ônibus à toa e mais o tempo da viagem. Seguirei pra festa e no caminho pensarei em alguma coisa”. E pensei bem: eu tinha duas coisas incríveis a meu favor e não tinha pensado ainda em aproveitá-la: a verdade e o meu sotaque mineiro. Cheguei à festa, perguntei pelo chefe dos organizadores, na verdade uma chefa, que me ouviu atentamente: “Moça, eu sou turista de Minas Gerais e estou com um problema. Não sabia que não havia Banco Itaú na cidade e agora não tenho como sacar o dinheiro suficiente para entrar na festa. Tenho R$54,00, só que eu ainda preciso tirar R$7,00 para voltar para Caxias do Sul, onde estou. É possível eu pagar o resto do valor do ingresso prestando algum serviço pra vocês? Sei lá, eu posso carregar caixa...” Ela não agüentou ouvir o resto, começou a rir e me perguntou quanto ainda me faltava para o ingresso. Foi à sala dela, tirou R$10,00 da bolsa e simplesmente me deu, dizendo que não ficaria mais pobre me dando aquela nota. Agradeci um monte, abracei-a e entrei pra festa.
Todas muito sorridentes.
Em Passo Fundo, também fui muito bem recebido por Lucas e sua namorada Lili.

Um outro passeio interessante feito pelo Rio Grande do Sul foi na Capital Nacional da Literatura. "Mas Paraty não fica no Rio de Janeiro?", você deve ter pensado. Não, Passo Fundo-RS, a 280 quilômetros de Porto Alegre é a Capital Nacional da Literatura. Pelo menos foi isso que uma lei de 2006 determinou. A Avenida Brasil, a principal da cidade, respira literatura. Por toda ela, há tubos com poemas escritos em suas paredes, bom pra distrair tanto aquele que passeia calmamente num domingo à tarde ou só quer se proteger da chuva. É também na Avenida Brasil onde está o Museu Regional Histórico, entrada gratuita, pra você saber um pouquinho da história da cidade. Perto dali também há um templo islâmico, que visitei por curiosidade. Não é bem um teeeeeemplo, é apenas uma casa normal que eles usam como casa de oração, assim como a maioria das igrejas evangélicas são. O que mais queria assistir era à oração, mas quando eu cheguei ao local não havia ninguém pra me receber. O portão estava aberto e eu sabia que havia gente lá, pois, do lado de fora, dava pra se ouvir algumas vozes e ver alguns sapatos à beira da escada. No entanto fiquei receoso de entrar, sei lá se poderiam jogar uma bomba em mim. Fiquei parado na porta por uns 10 minutos sem saber se entrava ou iria embora. Daí apareceram três crianças me dizendo que o portão estava aberto, que eu poderia entrar e fui. O pai delas, Mohammed, me recebeu com um amor que eu chamaria de amor cristão (mas não na presença dele) e me apresentou ao local, com um carpete bem macio, onde todos pisam descalço. Ele me explicou o quanto a mídia distorce a imagem deles, principalmente das mulheres muçulmanas, que não são tão passivas como a visão que temos dela. E ele também não gostou muito do que Glória Perez falou dos muçulmanos em O Clone. Passo Fundo não é turística, mas tem essas curiosidades. Tire uma tarde ou uma manhã e passeie pelo campus da Universidade de Passo Fundo (UPF). Ela tem um zoológico que tem até um leão e o Museu Zoobotânico Augusto Ruschi, cuja principal “atração” é os bezerros siameses empalhados.
Uma só cabeça, e um só coração.
Tudo bem, eu assumo: fui lambido por um veado no zoológico de Passo Fundo.
 

terça-feira, 31 de julho de 2012

Dance Dance Dance

"Acho que dança não tem sexo, e nunca tive de pedir desculpas por ser bailarino."
André Valadão

Será que eu passaria na audição da escola de balé do Bolshoi?
Quase 5.000 pessoas reunidas para celebrar uma festa à dança. Esse é o público de uma noite apenas, que é o que cabe no grande ginásio do Centreventos Cau Hansen, em Joinville, Santa Catarina, mais precisamente, 4.500 pessoas. Eu nunca tinha imaginado um teatro com capacidade para tantos. Eu já ficava impressionado com o Grande Teatro do Palácio das Artes, cuja capacidade é de quase 2.000 pessoas... Fiquei muito mais ao entrar numa plateia com mais que o dobro disso, e de novo muito mais impressionado ao vê-lo cheio. A energia vinda da plateia ajudava as coreografias a ficar ainda mais emocionantes e os bailarinos a dançar com mais energia. O Festival de Dança de Joinville está no Livro dos Recordes como o maior do mundo e sempre acontece em julho. Realmente não dá pra imaginar uma cidade vivendo e respirando dança mais do que lá. Em 2012, foi a 30ª edição, mas a minha primeira vez ali. Se fiquei tão extasiado só assistindo, como seria se tivesse me apresentado? Nem precisaria ser no Centreventos, com mais de 4.000 pessoas. Num shopping ou numa feira também serviria. É tanta coisa acontecendo, que eu duvido que você vá e consiga ver todas as coreografias, de todos os grupos, até porque o festival se estende às cidades vizinhas, e coloca palco aberto também em Jaraguá do Sul, Pomerode e Blumenau.
"Ela" eu tenho certeza de que passaria.
Tive sorte mais uma vez nas minhas viagens. Na semana em que estava em Curitiba, conheci a ótima e divertida Juliana Crestani, coordenadora da CHHAI (Casa do Hip Hop Arte Inclusiva), em Joinville, que me convidou para ficar hospedado em sua casa. Então, aproveitei cinco dias mal gastando com a comida, já que eu também tomava café da manhã na casa dela. Mas se você não tiver a mesma sorte que eu, quando for ao festival, já procure um hotel ou pousada com pelo menos um mês de antecedência, prazo que já será muito difícil encontrar algo. Eu presenciei amigos meus batalhando por hospedagem já em maio.
Árvore da sapatilha - um dos símbolos do Festival
Por conta da minha anfitriã, o estilo de dança com que mais convivi em Joinville foi o Hip-Hop, o que é ótimo, pois saí um pouco da minha zona de conforto, que é a dança contemporânea, e descobri que, dentro do Hip-Hop, existem outras dez milhões de subdivisões de linhas e estilos. Hip-Hop é muita coisa:
...é dança...
...é arte visual...
..´.é o próprio visual do sujeito.

Contato é tudo. Graças a Juliana, consegui assistir à Noite de Gala de graça e no camarote, usando um crachá que ela conseguiu pra mim. O que iria me custar R$94,00 para assistir a 15 grupos e companhias, não me custou nada. E ainda deu pra entrar no camarote do vice-prefeito, que ficava do lado do meu, e roubar uma dúzia de chocolates Bis. Oportunismos à parte, praticamente tudo o que eu vi no teatro do Centreventos mexeu comigo de alguma forma. Pra mim, não importa o estilo, mas a dança.
Vista parcial da plateia e arquibancada do Centreventos.

Todo esse meu entusiasmo só não é maior porque eu não consegui aproveitar tudo o que festival tinha a me oferecer: não fiz nenhuma aula, porque todas eram caras, e nem fui aos Seminários de Dança, pois tive de ir pra Florianópolis. Como eu disse, é coisa demais pra se fazer. Saí com a sensação de não ter aproveitado tudo, mas também de ter aproveitado bastante. Era humanamente impossível mesmo aproveitar TUDO. Nem se eu fosse dois. Ah! “Ritmos a dois”. Faltou falar da parte da programação destinada à Dança de Salão. Oficinas, apresentações e competições num outro teatro, o Harmonia Lyra:
A dança não é só competição.

A dança me ocupou as 24 horas. Não conheci nenhum ponto turístico da cidade e, realmente, não dá pra fazê-lo na época do festival, pois este já é um motivo de visita mais do que suficiente. O único “atrativo” turístico que conheci foi o relógio em que as pessoas podem ver quantos dias faltam para o Festival. É isso mesmo. Quiseram transformar um marcador sem graça de horário e temperatura em ponto turístico. Nem colocarei foto disso aqui. Mas isso não acontece só em Joinville. Várias cidades colocam no seu mapa turístico “Praça não sei das quantas”, “Cruz do não sei o quê”, “Memorial de não sei o que é que tem” pra que o turista ache que tem coisa pra fazer, mas, no fundo, é uma coisa pra lá de sem graça. Mas isso é só um detalhe, que não faz diferença em tudo de bom que a cidade de Joinville me ofereceu. E a próxima? Quer dançar/viajar comigo?
Juliana e eu na fachada do Centreventos

domingo, 24 de junho de 2012

Beleza Pura


“’Não deixe de anotar as suas primeiras impressões o mais rapidamente possível’, dizia-me um gentil professor que tive o prazer de conhecer logo de minha chegada ao Japão, ‘pois elas são evanescentes e, uma vez esmaecidas pelo tempo, nunca mais virão ao seu encontro. No entanto, de todas as estranhas sensações que poderá captar nesse país, serão as primeiras as mais encantadoras’.”
palavras do escritor e jornalista Lafcadio Hearn, em mural no Museu do Olho, em Curitiba.

Caroline e eu no Parque Tanguá

No mês que vem verei se isso é mesmo válido, já que voltarei a Curitiba, um ano depois de conhecê-la. Daí, volto a este texto para atualizar as informações sobre ele e dizer se concordo ou não com a afirmação acima. Em maio do ano passado, desci do aeroporto de São José dos Pinhais. De lá, peguei um ônibus de linha que me levou até Curitiba e tem toda hora pelo preço aproximado de R$4,00. Havia também o executivo por R$9,00. Para hospedagem, há um Albergue da Juventude, praticamente em frente ao Museu Ferroviário. Que bom que lá também tive anfitriões legais e economizei. Mais um conselho: aceite as recomendações de antigos turistas. Meu irmão me recomendou o Museu do Automóvel, que fica em frente ao estádio do Atlético Paranaense. Fica pra quando eu voltar.
Curitiba vista no fim de tarde, do alto da Torre Panorâmica
 
No meu primeiro dia, fiz o clássico passeio de ônibus turístico com o teto aberto. Custa quase R$30,00 e te dá direito a observar os principais pontos turísticos, podendo descer em quatro deles e depois reembarcar sem pagar nova tarifa. Caroline, minha amiga e moradora da cidade, resolveu me acompanhar, pois ela sempre quis andar nesse ônibus, e ela é como todos nós: não conhece todos os pontos turísticos da cidade onde mora. Primeira parada, custando R$6,00 para entrar, Museu do Oscar Niemeyer, conhecido por todos como Museu do Olho, por causa do formato que tem sua forma arquitetônica. Visitamos apenas as galerias da parte de baixo. A parte com forma de olho mesmo estava fechada para reformas. Segunda parada, Ópera de arame, locação do último capítulo da novela Sonho meu. Um pouco menos conhecido, mas mais bonito do que os anteriores foi o local da nossa terceira parada, o Parque Tanguá, um dos cenários mais belos, mas aposto que você nunca ouviu falar dele, né? Nem sempre aquilo que é mais conhecido é mais bonito. Esses dois últimos locais citados foram construídos em pedreiras desativadas. Quem ótimo aproveitamento do espaço! Por último, descemos (ou subimos?) na Torre Panorâmica, de onde tivemos uma vista de 360 graus da cidade a uma altura correspondente a um edifício de 40 andares. E fomos bem na hora do pôr-do-sol, o que tornou tudo ainda mais fascinante. Ingressos a R$5,00.
Nalu e eu na Praça do Homem Nu

No segundo dia, um sábado, foi a vez da minha amiga Nalu ser meu guia. Fomos ao Passeio Público, um parque com um mini-zoológico, um ambiente mais familiar, e à Praça do Homem Nu, e eu reforço o que tinha dito antes, o de que os lugares menos conhecidos também são bonitos. No meu terceiro e último dia, um domingo, eu não tinha guia, mas isso não foi um problema. É muito fácil se deslocar em Curitiba, e divertido também, já que aqueles ônibus biarticulados grandões são novidade pra todos nós que não moramos lá. E o melhor é que no domingo a passagem é R$1,00. Nos outros dias, é quase R$3,00. Então nem fiquei com medo de pegar o ônibus errado, pois, se isso acontecesse, não seria um grande desperdício de passagem e nem seria tedioso. Quando o ônibus para, a gente desce naqueles tubos, e só é necessário pagar nova passagem se você sair do tubo. Caso fique nele, pode pegar quantos ônibus quiser, pelo preço de uma passagem apenas. Assim consegui visitar vários lugares, começando pelo famoso Jardim Botânico, onde me deparei com mais um espaço fechado para reforma, o espaço cultural Frans Krajcberg, um grande tubo que circula aquela grande estufa (aliás, não se engane com o tamanho dela, ela é bem menor do que aparenta); o cartão-postal mais famoso de Curitiba, e realmente é lindíssimo, mas o mais legal é o Jardim das Sensações, onde você pode “ver” com as mãos, pés e nariz os mais variados perfumes, texturas e tamanhos de plantas, e a diversidade do piso. Há ainda uma galeria de exposições e uma loja com lembrancinhas da cidade. Com tanta coisa concentrada num só lugar, dá pra se passar toda uma tarde ou uma manhã no Jardim Botânico.
Jardim das Sensações

No Parque São Lourenço, construído num lugar que já foi uma fábrica de cola, fui surpreendido por uma cena inusitada: um monte de ovelhas negras pastando. Minhas duas últimas paradas foram na Universidade Livre do Meio Ambiente, uma universidade não de curso superior, mas no sentido de ser universal. Ela é uma construção de madeira que abriga vários cursos de curta duração, no intuito de conscientizar as pessoas para a preservação ambiental. Dali, segui para o Bosque Alemão, onde li a estória de João e Maria em paredes de azulejo.
Se eu interagir com algum animal, é porque falta alguma coisa

terça-feira, 1 de maio de 2012

Separação?!

"Não posso perder tempo em ser gaúcha quando sou brasileira; e não posso perder tempo em ser brasileira quando sou parte do mundo”.
Elis Regina 
Usina do Gasômetro - Porto Alegre
Há tanto tempo morando no Rio Grande do Sul e eu ainda não conhecia a capital, só a rodoviária e o aeroporto. Adiei conhecer essa cidade porque, como eu sempre estava por lá de passagem para ir a Belo Horizonte, haveria um dia em que eu teria tempo para dar um passeio. Fui a Porto Alegre (ou só Porto, como chamam por aqui) no feriadão da Páscoa. E já fui na Quinta-feira Santa, em um ônibus por São Leopoldo, onde resolvi passar parte do dia, mas perdi tempo. Os museus, que era o que mais queria ver, estavam todos fechados. Eu sabia que era feriado, mas pensei que encontrar-los-ia (uma mesoclisezinha só pra tirar uma onda) abertos, já que o acordo mundial é de que os museus só fechem às segundas-feiras. Gosto tanto de visitar museus porque acredito que, por meio deles, é possível conhecer muito da história antiga e da contemporânea de determinado lugar. Não vejo museus como lugares mortos, de coisas entediantes como “a cama onde Tiradentes morreu” (como diz meu padrasto), mas como um espaço aberto e vivo. Para Walter Benjamin, museus são casas e “espaços que suscitam sonhos”. “Os museus são casas que guardam e apresentam sonhos, sentimentos, pensamentos e intuições que ganham corpo através de imagens, cores, sons e formas. Os museus são pontes, portas e janelas que ligam e desligam mundos, tempos, culturas e pessoas diferentes.” (DEMU/IPHAN)
Jardim Botânico - Porto Alegre
Depois de perder a manhã toda caminhando sob o sol quente em São Leopoldo, fui a Forno Alegre (outro apelido carinhoso que a capital tem), pagando só R$1,70 de metrô, e comecei minha visita pelo Jardim Botânico, entrada R$4,00. Quando o porteiro me disse que o museu do jardim estava fechado por causa do feriado, já comecei a pensar que só perderia tempo durante toda a viagem. Andei pelo jardim, mas não foi uma boa escolha. Seria melhor se eu estivesse acompanhado e fizesse um piquenique, é um tipo de passeio mais interessante de se fazer com alguém. Dali fui para o Museu da PUC, na esperança de encontrá-lo aberto, e tive sorte. Estava. Cheguei no meio da tarde e fiquei até a hora em que fechou. Foram três horas no Museu e não consegui ver metade do acervo. Ele é interativo, então leva-se muito tempo para ver tudo. E realmente dá vontade de ver tudo, porque aborda ciências, matemática, tecnologia, meio ambiente, antropologia, física, química. A entrada é R$15,00 inteira. Você não achará caro depois de conhecer. Saí antes que me expulsassem e fui ao Mercado Municipal, parecido com o Mercado Central de Belo Horizonte, mas menos barulhento, e com duas vacas dentro. Existem vacas espalhadas pela cidade toda, vacas que fizeram parte de uma exposição chamada Cow Parade. Foram espalhadas 80 vacas pela cidade, cada uma feita por um artista plástico, que depois foram leiloadas.
Mercado Municipal
Anoiteceu e não fui pra hotel, nem pousada, nem albergue. Encontrei Miguel Vianna, um membro do Couch Surfing que aceitou me hospedar e me mostrou a cidade toda na sexta e no sábado. Antes disso, fomos à Casa de Cultura Mário Quintana e a um bar, onde os membros do Couch Surfing de Porto Alegre se reúnem toda quinta-feira à noite e encontramos Isabel e seu charmoso e discreto sotaque carioca.
Uma carioca, um mineiro e um gaúcho no Viaduto Otávio Rocha
Na sexta, visitamos a Usina do Gasômetro, um lugar cultural onde há várias exposições, performances e mostras de cinema. Fica à beira do Rio Guaíba, onde é possível fazer um passeio de barco de uma hora que custa R$15,00. Vimos várias pontes e ilhas, incluindo a famosa Ilha das Flores, onde habitam seres com “teleencéfalo altamente desenvolvido e um polegar opositor”. Conhecemos o Parque da Redenção e o Centro histórico de Porto Alegre, onde estão prédios importantes como a Catedral Metropolitana e o Teatro São Pedro. O melhor dia para se visitar o Parque da Redenção é no domingo pela manhã, pois acontece uma feira de antiguidades e artesanato.
Antiguidade e bilhete engraçado - detalhes do Brique da Redenção.
Também é possível passar mais de um dia no Centro de Porto porque há um número incrível de museus e casas de cinema. É a cidade brasileira com o maior número de salas de cinema, levando em conta a proporção por número de habitante. Se quiser saber mais sobre a história gaúcha, visite o Memorial do Rio Grande do Sul e o Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS), um do lado do outro, de graça. Na verdade você não verá A história gaúcha, mas UMA versão dela. A seguir, reproduzo o texto de um cartaz que estava no Memorial: “O que foi, afinal, a Guerra dos Farrapos? Uma revolta econômica, provocada pelo centralismo rapinante do império? Uma revolução separatista e republicana, uma guerra com um ideal? Uma guerra de guerrilhas liderada por caudilhos? Uma luta libertária conduzida por cavaleiros heroicos e esfarrapados? Há versões para todos – basta escolher o livro certo.”
Pôr-do-sol na Usina do Gasômetro
A paixão e orgulho que o povo gaúcho tem pela sua terra foi a coisa que eu mais admirei quando cheguei a esta terra, há um ano e meio, e foi uma das coisas que mais louvei nas postagens “Os Imigrantes” e “Celebridade”. Mas depois desse tempo todo, isso deixou de ser bonitinho e se tornou over pra mim. A impressão que muitas pessoas passam é de não conhecer nada além de chimarrão, polenta e chamamé, e que as coisas gaúchas são as mais importantes do universo (às vezes, a única coisa do universo). Em show da banda Capital Inicial que fui durante a Festa da Uva 2012, em Caxias do Sul, Dinho Ouro Preto disse que, quando estamos no Rio Grande do Sul, parece que estamos em outro país. Parece mesmo. Pena que a história separatista desse estado tenha fechado os olhos de muitos e não os deixa ver para além das fronteiras dos outros estados brasileiros, como se aquelas linhas que vemos nos mapas realmente tivesse o poder de separar uma coisa da outra. Essas linhas não são concretas, mas, não sei por que, conseguem barrar o horizonte de muitos. E, quando o olhar consegue passar dessa "barreira", parece os olhares destes alunos numa aldeia perdida no norte do Vietnã, que nunca tinham visto um homem europeu:
Foto de uma foto exposta no MARGS.