sábado, 30 de março de 2013

Baila Comigo


"Vai ter uma festa que eu vou dançar até o sapato pedir pra parar. Aí eu paro, tiro o sapato e danço o resto da vida." 

Chacal, poeta brasileiro.
Eu com a hóspede Carmen.

"Baila Comigo(?)": Esta era a frase com que eu iniciava contato com as hóspedes a bordo do Costa Fascinosa, navio no qual trabalhei por dois meses e uma semana, de janeiro a março deste ano.
“Desculpe, não posso, tenho um problema no joelho.”
“Meu marido não deixa.”
“Ah, eu estava dançando e acabei de sentar. Me chama depois.”
“Agora não, ta. Depois.”
“Não posso. Fiz uma cirurgia há poucos dias.”
“Estou indo jantar agora.”
“É que andei hoje o dia todo em Buenos Aires, fomos à Rua Florida pra fazer compras, estou muito cansada.”
"Eu não danço. Gosto apenas de observar."
E essas eram algumas das várias desculpas que dificultavam meu trabalho. A diretora de cruzeiros queria ver a gente dançando 24 horas, e a gente tentava, mas, às vezes, as hóspedes não colaboravam. Ainda bem que elas eram minoria. A maioria estava louca pra se remexer muito. Quantos sorrisos - às vezes mudos, às vezes com suspiro, às vezes acompanhados de palavras de agradecimento - eu recebi... De alguns rostos me recordo até hoje, pena que não posso ilustrá-los aqui e pena que não tenho fotos com eles. A maior parte do público do navio era de aposentados (sozinhos ou casais) e de famílias, logo a maioria das minhas parceiras de dança tinha mais de 60 anos de idade (não é o que as fotos aqui mostram, mas pode crer que era assim, sim). Cheguei a dançar até com uma de 92. Já me esqueci de algumas carinhas, logicamente. Às vezes não me lembrava do rosto de alguma nem de um dia pro outro, de tantas que eram. Me cumprimentavam no dia seguinte com um sorriso verdadeiro e voz entusiasmada, como se nos conhecêssemos já há muito tempo. Eu, pra não passar por mal educado, retribuía da mesma forma, mesmo não tendo reconhecido a ditacuja de imediato. Com certeza devo ter passado batido por alguma delas e pensaram que eu era mal educado... Elas que me perdoem.
Tal mãe, tal filha: eu com as cariocas Denise...
 ... e Louise.

"E como você conseguiu esse trabalho?", você deve estar pensando. Fiz uma seleção em Curitiba. Há seleções em umas quatro ou cinco cidades do Sul e Sudeste do país, organizadas pela Cia Theo & Mônica, grandes dançarinos e líderes, que já trabalham há mais de 15 anos em navios. Na seleção, só pediram aos candidatos que pegassem um par e dançassem como se estivessem num baile. Puseram pra tocar um minuto de cada ritmo (bolero, forró, tango, samba e salsa) e filmaram. Depois, preenchemos uma ficha com dados pessoais, onde relatávamos sobre nossa experiência com dança de salão, e tiramos uma foto. Uma semana depois, já tive o resultado positivo da aprovação. Se você tem vontade de participar, visite a página de Theo e Mônica no facebook e fique atento às divulgações de seleção para integrar a equipe de dança de salão dos navios Costa Cruzeiros, que acontecem entre maio e julho. Feita a seleção, nós participamos de três finais de semana (sexta, sábado e domingo) de treinamentos em São Paulo, onde aprendemos sobre a vida a bordo e ensaiamos as coreografias das apresentações. Não precisa ser um exímio dançarino de dança de salão para fazer esse trabalho. O que conta mais é o quanto você é comunicativo e sabe tratar as pessoas. Como eu disse antes, a maioria das hóspedes já fica muito feliz de fazer frente-e-trás e dois pra lá dois pra cá. Mesmo assim, se você não for aprovado na seleção, não desanime. Eu só fui aprovado na minha segunda tentativa.

Eu e meu colega Xandão e a hóspede Regina.

Volto a falar que a parte mais gostosa do trabalho é a parte do envolvimento sentimental das hóspedes com você. Várias me procuraram no facebook, e me escreveram depois de descerem, porque, para elas, o trabalho que fizemos foi a melhor coisa do cruzeiro (que bom ouvir isso da boca delas!). Como a minha modéstia lutava contra o meu ego superinflado ao escutar isso, eu apenas sorria, agradecia e guardava comigo esse elogio. Lógico que isso não é mérito meu, é mérito de toda a equipe e do ambiente alegre, que, por si, acaba exalando felicidade. Vale afirmar que todas as fotos desta publicação foram tiradas por elas e "carinhosamente roubadas" do face.
Equipe de 12 dançarinos e os mestres Theo e Mônica.

O trabalho foi bem tranquilo, porque, como o público que estava a bordo em geral não tinha o costume de dançar, eu acabava fazendo muito dois pra lá dois pra cá nos bailes. Às vezes cansava um pouco porque algumas mulheres não tinham coordenação nem pra fazer isso, então eu acabava fazendo um pra lá um pra cá mesmo. Mesmo com essas parceiras com pouco conhecimento de dança, aprendi muito - um aprendizado que é difícil de descrever aqui. Talvez não foi algo técnico, diretamente relacionado à dança, mas eu tenho certeza de que todo mundo que passa pela minha vida, alguma coisa me deixa/modifica. E não pense que a falta de jeito pra dançar é uma coisa diretamente relacionada à idade. Peguei muitas adolescentes pata dura (é assim que os argentinos chamam uma pessoa que não dança bem) e também muitas senhoras que davam show. Era legal ser surpreendido assim.
Meus colegas Marcelo e André, e a hóspede Simone.
As gaúchas Heloísa e Taís só saíam depois da última música.
Algumas hóspedes/bailarinas falavam comigo como se eu estivesse fazendo um grande favor na vida delas, mal sabiam que eu estava ali por obrigação - obrigação que não deixava de ser um prazer. Por isso, escolhi trabalhar com dança, porque todas as minhas obrigações são feitas com prazer. Tá, nem sempre é feita com tanto prazer assim, às vezes tem uma coxa doendo, uma coluna meio fora do lugar, um ombro gangrenando, mas, quase todas as vezes, dançar é um prazer, ainda mais num ambiente como um navio de cruzeiros. As pessoas vivem felizes, todos te sorriem o tempo todo, até o garçom ou o camareiro, que estão ali pra te servir, que fazem um trabalho muito mais pesado do que o que eu fazia, e que nem sempre recebem tanto reconhecimento quanto nós, que tínhamos um trabalho que nós deixavam mais expostos que eles. A felicidade era tanta, que às vezes parecia artificial, mas que contagiava da mesma forma.
Com a argentina Alejandra. Na dança, não há barreiras linguísticas.