terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Memórias de Amor


"A vantagem de se ter péssima memória é divertir-se muitas vezes com as mesmas coisas como se fosse a primeira vez", Friedrich Nietzsche, filósofo.
Cia Municipal de Dança de Caxias do Sul em "sobreVIVENTES".

Como diz uma amiga minha, “é tanta vida que acontece nas coisas da gente”. Nos meus dois anos e três meses em Caxias do Sul, foi mesmo muita vida que aconteceu nas minhas coisas, entenda você como quiser. É engraçado. Eu gostei mais de morar em Belo Horizonte do que Caxias, mas a sensação de deixar Caxias dói mais do que a sensação de deixar BH.
"Bambolino", casa de festas onde trabalhei como garçom.
Falando do meu trabalho, posso dizer que cresci muito corporalmente na Cia Municipal de Dança e na Oito Tempos Dança de Salão e que aprendi muito com todos os bailarinos, professores e coreógrafos dos dois lugares. O meu próximo paradeiro só foi possível de ser definido graças à dança de salão que aprendi e desenvolvi nos dois anos em que fiquei na Oito Tempos. Dancei, subi no palco, fui aluno, coreógrafo e professor (não no sentido literal que essa palavra tem). Fui pra lá em busca de um novo conhecimento corporal e de vivenciar uma nova cultura, mas, graças a Deus, encontrei fortes amizades também. Abaixo, minhas parceiras Deise, Jussara e Eliane.

Um dia, num ato falho do filho da minha namorada, fui chamado de pai pela primeira vez. Ele estava no meu colo e ia me contar uma coisa, e disse: “Papai...”. Antes de continuar a frase, eu o interrompi e disse: “O quê?”. Não como resposta, mas num tom de quem estava incrédulo do que ouvia, e ele se corrigiu: “Ops, Átila...” e continuou o que tinha pra me dizer. Não é minha vontade ser pai, pelo menos não é minha vontade ter um descendente meu, com o meu sangue, nunca. Mas ser chamado de pai assim, porque ele e a irmã dele me viam como tal, porque foi uma escolha dela e não da natureza, é uma sensação que basta, e que já me faz chegar perto do entendimento de como será o amor que um pai ou uma mãe sente por um filho, porque o carinho era recíproco da minha parte.
                                                        
Lá também aprendi a pensar mais nos corpos dos outros e não só no meu. Não, não fiquei acessando sites de pornografia. É que foi a primeira oportunidade que tive de dar aula de dança contemporânea, para crianças de 10 a 14 anos. Também Carla Vendramin me ensinou a dançar com pessoas que não são bailarinos e que têm corpos que não são o estereótipo de bailarinos: pessoas com autismo, síndrome de Down, baixa visão, paralisia. O projeto Diversos Corpos Dançantes oportunizou a pessoas que não se viam como bailarinos a subirem no palco e mostrar a beleza do movimento de seus corpos.
Espetáculo "Enrtadas, Saídas e Labirintos".
Dá pra deixar móveis pra trás, roupas, fotos, mas pessoas são coisas muito ruins de se largar em qualquer lugar que seja. Deixar quem eu deixei em Belo Horizonte ou em Caxias do Sul é bem diferente do que deixar os de Mariana-MG, porque lá é um lugar que eu tenho certeza que sempre estarei indo. Mas largar minhas amizades gaúchas dói porque, quando nos reencontrarmos acho que não será a mesma coisa. Penso que será difícil conversar e que eu ocuparei um espaço menor no coração delas. Será como quando nos vimos pela primeira vez, quando a falta de intimidade nos fazia ficar pensando no que dizer e como agir. É natural, me conformo com essa lacuna que o tempo em que estarei ausente talvez deixe nos relacionamentos. Aconteceu em Mariana, nos Estados Unidos, em Belo Horizonte, é normal que aconteça em Caxias do Sul também. São poucas as pessoas que reencontro (mesmo que sejam reencontros online) e com quem tenho uma relação que parece estar no mesmo ponto onde interrompemos. Conseguimos agir e falar do mesmo jeito que sempre agimos e falamos um com o outro. Como tudo o que sou e penso foi construído por essa gente toda que eu deixei pra trás, muita coisa que faço ou me lembro está relacionada com eles. As lembranças estão na minha mente com frequência, o que me faz tão bem, mas não me faz muito bem, porque a saudade, que sempre fica, faz com que parte dos meus dias eu viva de passado e não de presente. Até guia turístico eu fui, levando pra passear meus amigos Isabelle e Manuel, da Argentina:
Almoçando em Bento Gonçalves, cidade vizinha.
Era engraçada a sensação do prestes a ir embora. Como sei que vou me separar das pessoas, quero aproveitar o máximo de tempo com elas, só que esse maior tempo que passávamos juntos nos aproximava mais, o que era ruim, porque dali a alguns dias chegaria a data de validade do nosso relacionamento. Um dia todos nós teremos de sair da vida de alguém mesmo. Mas pelo menos eu não saí porque morri ou porque qualquer outra desgraça me tirou de uma história. Foi por seguir um desejo meu, que nunca é igual ao de outras pessoas e que, por isso, a separação acontece. Então escrevo, porque o tempo ausente da vida de alguém é um inimigo em potencial da nossa memória, o que é paradoxal, porque, sem tempo, como podem existir lembranças? Mas muito tempo sem se lembrar dessas lembranças podem apagá-las para sempre. As imagens viram borrões, as vozes e as músicas passam a ser sons indistinguíveis. Não posso confiar na minha memória, ela não é igual a do Google. E eu sei que a memória também pode nos separar, porque o cérebro não tem tantos terabytes quanto a máquina tem. Nessa página do blogspot, o registro permanecerá sempre o mesmo, cada letra do que está escrito e publicado na data que se vê acima, antes do título, que não é bom, eu sei, mas estou obedecendo à regra que eu mesmo criei de que todos os títulos devem ser de alguma novela ou (mini)série.