quarta-feira, 22 de agosto de 2012

O Rei do Gado

Não quero faca, nem queijo. Quero a fome.
Adélia Prado, escritora.
Fui muuuito bem recebido em Carlos Barbosa.
 
Só quando cheguei a Carlos Barbosa, a 99 quilômetros de Porto Alegre, naquela manhã de domingo do mês de julho me lembrei de que meu dinheiro não seria suficiente para pagar o ingresso da Festiqueijo, R$55,00. Mais salgado do que todos os queijos o valor desse ingresso, não? Mas vale a pena porque você pode comer toda qualidade de queijo, salame e produtos coloniais e ainda ganha uma taça para beber todos os vinhos que quiser. Salame e queijo normalmente é comida barata, mas, na feira, há também os queijos mais caros. E pra quem costuma pagar o valor acima em uma garrafa de vinho e bebê-la sozinha, vale muito a pena, porque lá você pode beber de todos os vinhos, de várias vinícolas da Serra Gaúcha, à vontade, durante as 12 horas de festa. Isso se você agüentar ficar de pé esse tempo todo e tiver estômago de cabrito. Os organizadores não deixam assentos no salão, assim as pessoas tendem a ir embora logo e dão menos prejuízo. Ainda bem que eu fui sabendo disso, então já tinha o seguinte plano arquitetado: entrei no salão, comi e bebi a tudo o que tinha direito, fui para o banheiro, forrei a tampa do vaso com jornal e fiquei ali sentado e descansando, enquanto lia uma revista que tinha levado para passar o tempo, esperando sentir fome novamente. Só que foi difícil sentir vontade de comer novamente com os sons que meus ouvidos testemunhavam naquele banheiro. A cada dez minutos, ou menos, sem exagero, entrava alguém num dos toaletes ao lado do meu e vomitava tudo o que tinha comido na festa e o fígado junto. Ainda bem que só a sinfonia chegava até mim, e não os aromas. Depois de duas horas de leitura e de música para meus ouvidos, voltei para o segundo tempo de comes e bebes, mas não foi simples assim. O tipo de comida lá servida leva muito tempo para ser digerida. Embora tivesse vontade de comer o suficiente a mais do que R$55,00, comi pouquíssimo dessa vez, porque não queria me juntar à orquestra gastrointestinal.

Vacas iguais às da Cow Parade alegram todo o centro de Carlos Barbosa.

Do lado de fora, a caminho da rodoviária, vacas de todos os tipos decoravam a cidade. Só que eu estou mudando de assunto sem concluir o início da história. Bem, eu cheguei a Carlos Barbosa com R$54,00, sendo que, desse valor eu ainda precisava tirar R$7,00 para pagar o valor da passagem de volta a Caxias. Perguntei ao funcionário da rodoviária onde havia um banco Itaú e ele me respondeu: “Aqui não tem Itaú”. Na minha conta do Bradesco eu tinha centavos. Pensei: “Não é possível que terei de voltar pra casa sem ter entrado na festa, gastado R$14,00 de ônibus à toa e mais o tempo da viagem. Seguirei pra festa e no caminho pensarei em alguma coisa”. E pensei bem: eu tinha duas coisas incríveis a meu favor e não tinha pensado ainda em aproveitá-la: a verdade e o meu sotaque mineiro. Cheguei à festa, perguntei pelo chefe dos organizadores, na verdade uma chefa, que me ouviu atentamente: “Moça, eu sou turista de Minas Gerais e estou com um problema. Não sabia que não havia Banco Itaú na cidade e agora não tenho como sacar o dinheiro suficiente para entrar na festa. Tenho R$54,00, só que eu ainda preciso tirar R$7,00 para voltar para Caxias do Sul, onde estou. É possível eu pagar o resto do valor do ingresso prestando algum serviço pra vocês? Sei lá, eu posso carregar caixa...” Ela não agüentou ouvir o resto, começou a rir e me perguntou quanto ainda me faltava para o ingresso. Foi à sala dela, tirou R$10,00 da bolsa e simplesmente me deu, dizendo que não ficaria mais pobre me dando aquela nota. Agradeci um monte, abracei-a e entrei pra festa.
Todas muito sorridentes.
Em Passo Fundo, também fui muito bem recebido por Lucas e sua namorada Lili.

Um outro passeio interessante feito pelo Rio Grande do Sul foi na Capital Nacional da Literatura. "Mas Paraty não fica no Rio de Janeiro?", você deve ter pensado. Não, Passo Fundo-RS, a 280 quilômetros de Porto Alegre é a Capital Nacional da Literatura. Pelo menos foi isso que uma lei de 2006 determinou. A Avenida Brasil, a principal da cidade, respira literatura. Por toda ela, há tubos com poemas escritos em suas paredes, bom pra distrair tanto aquele que passeia calmamente num domingo à tarde ou só quer se proteger da chuva. É também na Avenida Brasil onde está o Museu Regional Histórico, entrada gratuita, pra você saber um pouquinho da história da cidade. Perto dali também há um templo islâmico, que visitei por curiosidade. Não é bem um teeeeeemplo, é apenas uma casa normal que eles usam como casa de oração, assim como a maioria das igrejas evangélicas são. O que mais queria assistir era à oração, mas quando eu cheguei ao local não havia ninguém pra me receber. O portão estava aberto e eu sabia que havia gente lá, pois, do lado de fora, dava pra se ouvir algumas vozes e ver alguns sapatos à beira da escada. No entanto fiquei receoso de entrar, sei lá se poderiam jogar uma bomba em mim. Fiquei parado na porta por uns 10 minutos sem saber se entrava ou iria embora. Daí apareceram três crianças me dizendo que o portão estava aberto, que eu poderia entrar e fui. O pai delas, Mohammed, me recebeu com um amor que eu chamaria de amor cristão (mas não na presença dele) e me apresentou ao local, com um carpete bem macio, onde todos pisam descalço. Ele me explicou o quanto a mídia distorce a imagem deles, principalmente das mulheres muçulmanas, que não são tão passivas como a visão que temos dela. E ele também não gostou muito do que Glória Perez falou dos muçulmanos em O Clone. Passo Fundo não é turística, mas tem essas curiosidades. Tire uma tarde ou uma manhã e passeie pelo campus da Universidade de Passo Fundo (UPF). Ela tem um zoológico que tem até um leão e o Museu Zoobotânico Augusto Ruschi, cuja principal “atração” é os bezerros siameses empalhados.
Uma só cabeça, e um só coração.
Tudo bem, eu assumo: fui lambido por um veado no zoológico de Passo Fundo.
 

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