quinta-feira, 2 de junho de 2011

Sol de Verão

"A face de um velho amigo é como um raio de sol por entre escuras e sombrias nuvens" Abraham Lincoln

Pôr-do-sol na Praia do Forte-BA. Foto de Eliatrice Gishewski
Esta postagem começa com uma reflexão, iniciada por meu amigo Rafael, em Salvador, em janeiro deste ano. Já repararam na mania que todas as cidades têm de ser a maior ou a primeira em alguma coisa? Eu, por exemplo, já morei em Mariana, que é a primeira cidade de Minas; em seguida, em Belo Horizonte, que é a capital mundial dos bares; hoje, em Caxias do Sul, que é a maior cidade do interior do Rio Grande do Sul e foi capital nacional da cultura em 2008. O assunto começou quando li um folheto turístico que dizia ser Salvador “o maior e mais rico acervo barroco do mundo fora da Europa”. Daí eu disse que a vida inteira eu pensei que Ouro Preto fosse o dono desse título. Rafael, que é original de Formiga, a maior produtora mineira, talvez brasileira, de lingüiça, disse que toda cidade, quando não possui um atrativo realmente interessante, sempre dá um jeito de ser maior em alguma coisa, nem que seja, sei lá... Florianópolis: a maior cidade de nome proparoxítono iniciado com F. Todas adoram ter um título, mesmo que seja estapafúrdio. Lembrei-me de todas as cidades por onde eu tinha passado naquela viagem pelo nordeste e pude ter a certeza disso:
João Pessoa: a cidade onde o sol nasce primeiro;
Bananeiras: foi a maior produtora de café da Paraíba (coitada, essa tem de buscar um novo título);
Cabedelo: atualmente a maior renda per capita da Paraíba;
Olinda: onde está o maior presépio a céu aberto do mundo;
Recife: a maior festa de São João do mundo;
Porto de Galinhas: a melhor praia do Brasil (tá. na opinião de quem?);
Maragogi: a rainha dos corais;
Maceió: será a capital mundial de direito médico em 2012;
Piaçabuçu: o maior banco de camarões do Nordeste;
Penedo: o primeiro povoado de Alagoas;
Aracaju: tem a maior árvore de Natal do mundo;
Feira de Santana: a maior cidade do interior baiano;
Salvador: maior acervo barroco do Brasil (mas não é Ouro Preto?), maior Carnaval do mundo (mas não é o Rio de Janeiro?) e onde está o maior shopping center da América Latina (mas não é o Aricanduva, em São Paulo?).
Deixa pra lá. Elas que fiquem brigando entre si pra ver quem é a maior ou melhor seja lá em que “trem” for. Eu quero mais é aproveitar o que cada uma tem de bom a me oferecer e contar pra vocês depois. Então vou começar logo. Saí de Belo Horizonte no dia 28/12 com destino a João Pessoa e regressei para Minas no dia 17/1, saindo de Salvador. Mil quilômetros em 20 dias. Parece muito? Não se feito de carro, em boa companhia. Ainda bem que não segui sozinho, de ônibus, como no plano inicial, e consegui mais dois amigos animados que se juntaram a mim, Roberto e Marden. Na verdade, o trajeto propriamente dito foi feito em nove dias. Fiquei mais tempo em João Pessoa e Salvador. Mas não foi correria, como você pode estar pensando. Dá uma média de duas horas por dia dentro do carro, com mais 22 horas para aproveitar. Então, começarei por onde a viagem começou, em João Pessoa, onde passei a virada do ano em um show de Geraldo Azevedo e depois Gilmelândia (não é parque temático, é a ex-vocalista da banda Beijo que, de vez em quando, faz uns bicos como apresentadora). Mesmo em alta temporada, as praias e eventos não são tumultados em Jampa, apelido de João Pessoa. As coisas são baratas, o turismo no Nordeste é barato, até mesmo os locais mais badalados como Porto de Galinhas não são tão caros. No entanto, não vá esperando um bom e rápido atendimento nos bares e quiosques da cidade. É bom seguir a dica do meu amigo Roberto: você pede uma cerveja; quando ela chegar à mesa, já peça a outra, assim a segunda chega no momento em que você terminar a primeira. Na Paraíba, experimente o Arrumadinho, prato que consiste em farinha (claro!), carne de sol ou de charque, feijão verde (a cor é só no nome, igual milho verde) e vinagrete (com muito coentro, assim como tudo na culinária nordestina). E a sorveteria Sabores do Cerrado, uma rede famosa em vários estados, possui sorvetes de coisas que nunca vi na vida, como Bocaiúva, Buriti, e tantos outros.
Arrumadinho, prato da culinária paraibana
Falando novamente sobre os preços, o que mais encarece qualquer viagem eu acredito que seja a hospedagem. Nossa diária mais cara em quarto triplo foi R$50,00 para cada um, em Porto de Galinhas e em Aracaju. Considerando que estávamos em alta temporada e que em Aracaju ficamos na frente da orla, pode-se dizer que foi barato. E em quase todos os lugares a água de côco custava entre R$1,00 e R$2,00. Agora veja a foto seguinte e tente adivinhar qual arquiteto projetou esse complexo científico e cultural chamado Estação Cabo Branco, em João Pessoa.
Estação Cabo Branco
É um lugar interessantíssimo de se visitar, tem muitas exposições e fica à beira do mar, ao lado do ponto mais oriental do Brasil. Mas a cidade toda comenta que as ondas vêm causando erosão no local há muito tempo e, mesmo antes de iniciada a obra, já havia pessoas contra o projeto, que pode deixar de existir em 30 anos se a erosão continuar como está. Resposta: acertou quem pensou em Oscar Niemeyer. Aposto que não foi difícil. Bateu o olho e viu concreto em tudo quanto é canto e uma graminha com um verde sem graça não tem outra: é Niemeyer, o inimigo número 1 das árvores. Igual novela: a protagonista é Helena? Só pode ser arrumação de Manoel Carlos.
Pôr-do-sol da orla do Jacaré
Ver o pôr do sol de um lugar estratégico, embora tenha sido uma atividade quase rotineira durante esses 20 dias de viagem, não foi enjoativo, aliás, seria muito bom se tivéssemos dois por dia. Em João Pessoa, a cidade onde o sol nasce primeiro, paradoxalmente o pôr-do-sol parece ser mais famoso, ainda mais se visto da praia do Jacaré (que não é uma praia). Todos os dias, enquanto o sol desaparece, pode-se assistir a um saxofonista tocando o Bolero de Ravel num barco no Rio Paraíba.
Há coisas que conheci no meio do caminho que me fizeram imaginar qual será o meu próximo destino. Quando estive no marco zero da Rodovia Transamazônica, em Cabedelo, fiquei pensando como seria uma viagem do primeiro (ou do zereiro) kilômetro dessa rodovia até o último, assim como várias vezes tive vontade de percorrer a Estrada Real, talvez até de bicicleta.
Igreja de São Francisco. Não visite apenas praia em João Pessoa
No centro histórico de João Pessoa, um dos altares da Igreja São Francisco deixa qualquer um de Ouro Preto no chinelo. Além de uma incrível riqueza de detalhes, tudo com muito ouro, parte do teto tem “abacaxis”, porque a ideia era ser um teto mais tropical. Não coloco foto porque você precisa ver os detalhes ao vivo. Se esse altar secundário já me impressionou, a mesma sensação eu queria ter tido com o altar principal, mas, infelizmente, ele foi tomado por cupins no início do século passado e não houve saída a não ser jogar tudo fora. Abaixo, uma foto de uma foto do que era antes, e uma foto do que é hoje.

Terceiro dia do ano, pegamos estrada. E de dentro do carro mesmo as paisagens já eram interessantes:
Os rios que secam totalmente em janeiro (e por que eles não tirariam férias também?)...
as famílias inteiras sem capacete em suas motos envenenadas...
Por sugestão de Roberto, preservei a identidade dos quatro aventureiros. Só mesmo pais de primeira viagem (sem querer fazer trocadilho) pra dar uma dessas. “Ó você errado!”, eu diria se já estivéssemos em Salvador.
Dois dias para Recife e Olinda sem entrar na água do mar embora não faltasse companhia de adoráveis e dóceis peixinhos, como os da foto acima. Mas essas duas cidades são de uma riqueza histórica tão grande, com tantas igrejas, monumentos e museus para se visitar, que o mar não fazia a menor falta, até porque nos restava ainda mais de 800 quilômetros de litoral pela frente. “Mas, nas praias do Nordeste, e visitando museus? Que desperdício de passeio!”, isso foi o que meu padrasto me disse por telefone e aposto que é o mesmo que você está pensando agora. Mas mudará de ideia se conhecer o Museu da Cachaça Carvalheira, em Recife, com direito a degustar meia dúzia de birinaites, e conhecer o processo de fabricação da água-bruta, a história pernambucana da apaga-tristeza e centenas de sinônimos para essa água-que-gato-não-bebe. Tudo isso de graça.

Depois de esquentar o peito, pegamos um metrô e um ônibus e fomos ao Instituto Ricardo Brennand para conhecer um acervo, pasme, particular, de pinturas, esculturas, e armaduras e armas que pertenceram a tudo quanto é tipo de rei. Preste atenção, pois há dois Brennand em Recife: o Instituto Ricardo Brennand, do qual estou falando; e a oficina de cerâmica Francisco Brennand. Se puder, vá aos dois. Não fui ao Francisco, mas, olhando as fotos no Google, pude ver que é um passeio que vale a pena também.
Pequena amostra do incrível acervo do Instituto Ricardo Brennand
Quem assistiu ao último capítulo de Passione deve se lembrar de que Clara (Mariana Ximenes) termina em uma Ilha do Pacífico. Não. Além de ter enganado Fred, ela passou a perna em nós também. A danadinha estava em Porto de Galinhas. Infelizmente eu não tive a sorte de encontrá-la, mas roubei do Orkut de uma amiga minha uma foto que ela tirou das gravações. Obrigado, Wanda!
Cena final de Passione não foi na Ilha do Pacífico
O que dizer de Porto de Galinhas? Sei que não deviam ter feito tanta propaganda pra mim. Cheguei com a expectativa alta. E não gosto de lugar com muito turista. Pelo menos lá eu tive a minha primeira experiência de mergulho, meu batismo, como eles dizem, que custou R$70,00, surpreendentemente barato. Melhor foi Pontal do Maracaípe, por onde passeamos rapidamente, de jangada (por R$10,00 cada, 1 hora de duração), vimos cavalo marinho e caranguejo, e descobrimos que não são só os bailarinos e atletas que têm problemas de coluna. Coqueiros também podem ter escoliose.

Outra parada que considerávamos obrigatória era na Praia dos Carneiros, mas era obrigatório também o pagamento de uma taxa de R$50,00, nas três entradas que tentamos. Para não pagar isso, só indo a pé, pela areia, mas seria uma distância muito grande. Desistimos. Deixamos para trás as belezas de Pernambuco e R$20,00 que usamos para molhar a mão de um guarda que pegou um de nós sem cinto de segurança (lembra, Marden?), e chegamos ao litoral mais bonito de todos, o de Alagoas. Maragogi: praias de um azul fosco belíssimo. E só agora, escrevendo isso, é que percebi que não tirei nenhuma foto de lá. Mas talvez tenha sido melhor assim. Chega uma hora que a gente cansa de registrar tudo e quer mais é aproveitar o momento ao máximo. Voltar ao carro para buscar a câmera seria privar os olhos de mais três ou quatro minutos de contemplação. Maceió: ótima hospitalidade, várias opções de praia, com destaque para a Praia do Francês, também sem foto. Ficamos em uma pousada em Pajuçara, um nome que mais parece uma conjunção pronunciada errada. “Que bonito presente, Rosicreide! Pra quem você comprou?” “Ah, comprei Juçara”. Mas era de se esperar de uma cidade cujo nome também se parece com aquele jeitinho mineiro de comer as palavras. “ô, Zé. Num to achano a latinha de refrigerante. Ocê viu?” “Ih, pisei incima dela. Massei. Ó!”. Mas a campeã de todas foi a placa de salão de beleza no centro histórico:
No finalzinho de Alagoas, em Piaçabuçu, um mergulhinho no Rio São Francisco caiu muito bem para tirar o sal do corpo. O rio separa Alagoas de Sergipe. Só não pudemos ver o Tio Chico desaguando no mar, porque nosso barco não teria forças para lutar contra as ondas. Em compensação, vimos o sol se pondo na direção de Sergipe, enquanto ainda estávamos em Alagoas. 
À esquerda, Alagoas; no centro, o Rio São Francisco; à direita, Sergipe.

Pôr-do-sol no Rio São Francisco. Estado de Sergipe ao fundo.
Fomos para Penedo-AL, a Ouro Preto do Nordeste – é a terceira vez que menciono Ouro Preto neste texto. Acho que terei de fazer um turismo lá, mesmo tendo vivido toda minha vida de estudante naquela cidade, e escrever sobre ela. Dormimos, e, para sonhar com os anjinhos, nada como um show do Padre Fábio de Melo, cuja ordenação, anos antes, foi agraciada por vários solos da bailarina Eliatrice Gischewski. Fatalmente, o dia seguinte ao show era uma segunda-feira, quando museus e igrejas costumam estar fechados à visitação. Mas conseguimos visitar o Teatro Sete de Setembro, que é bem parecido com a Casa da Ópera de Ouro Preto (de novo ela), e a Igreja Nossa Senhora da Corrente, que tem um altar de mil e uma utilidades e onde conhecemos o sujeito para quem os professores deviam rezar, segundo a religião católica: São Manuel da Paciência, padroeiro dos professores.
São Manuel da Paciência, padroeiro dos professores


Agora, sim, cruzamos o Velho Chico de balsa e fomos direto para Aracaju, onde a praia tem uma área de areia enorme e a orla é tão bonita quanto ou mais bonita que a de Maceió, com parquinho para baixinhos e marmanjos. Em Aracaju o tempo começou a ficar corrido, então foi a única cidade que visitamos em Sergipe. Na orla de Atalaia, a mais bonita do Brasil (como se beleza fosse uma coisa que se pudesse medir), fotografei os Formadores de Nacionalidade. Da esquerda para a direita, são eles: Tiradentes, Átila Muniz, José Bonifácio de Andrada e Silva, Dom Pedro II, Princesa Isabel, Duque de Caxias, Barão do Rio Branco, Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek (foto abaixo).

Marden, Roberto e eu na orla de Aracaju à noite.
Daí, uma rápida passada em Feira de Santana, onde visitamos o Museu Casa do Sertão, gratuito, no Campus da Universidade Federal de Feira de Santana, mas que não pode ser fotografado. Despedi-me dos meu amigos e fui de ônibus para Salvador para encontrar outros, Rafael, Rita e Ticiane. Despeço-me de vocês também, pois esta postagem já está muito grande. Salvador fica para o mês que vem.
Beijo, me liga.

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